Arminio Fraga, Henrique Meirelles e Maílson da Nóbrega: 3 cenários para o ano

A saída da pandemia deve fazer a economia brasileira crescer de forma expressiva neste ano. A última projeção do Fundo Monetário Internacional indica uma expansão do PIB de cerca de 5% em 2021. Mas o que podemos esperar depois disso? Como o país pode criar as bases para um crescimento sustentável?

A pedido do InfoMoney, três dos principais economistas do Brasil, que fizeram parte de diferentes governos, respondem a essas perguntas. São eles: Arminio Fraga, que foi presidente do Banco Central durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso e hoje é sócio da gestora Gávea Investimentos; Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-ministro da Fazenda no governo de Michel Temer e atual secretário da Fazenda e Planejamento da gestão João Doria; e Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda do governo de José Sarney. Leia os principais trechos das entrevistas.

Arminio Fraga: “O país pode crescer o dobro”

“Estou preocupado. O quadro, apesar de uma melhoria recente nos dados da pandemia, permanece repleto de incertezas. A situação fiscal do país é frágil, mesmo a situação social, ainda que pese o sucesso da vacinação, é difícil, de muito desemprego, muito desalento. Os desafios de quem ganhar as eleições lá na frente não serão pequenos. Houve uma melhoria nos dados de endividamento do governo, mas isso aconteceu, em boa parte, por causa de uma inflação maior, algo que não se pode comemorar.

Minha avaliação é que esse ganho tende a ser devolvido, já que o governo brasileiro segue muito endividado, e o investimento no Brasil continua tímido, aguardando mais clareza em relação ao futuro. Vejo um ano de 2022 difícil, mais difícil do que teria imaginado se soubesse há um ano e meio que os indicadores de vacinação seriam um sucesso no Brasil. A pandemia também atrapalhou, não podemos ignorar esse aspecto, mas, uma vez superado esse período tão difícil, seria de esperar uma visão de futuro que permitisse uma recuperação muito mais exuberante.

Vacinação: a pandemia melhorou, mas há outras incertezas (Foto: Rodrigo Paiva/Getty Images)

A retomada que vem pela frente foi, em parte, um efeito de um produto estatístico e de uma expansão fiscal enorme, que não vai poder se repetir. Há sempre coisas boas acontecendo, como o leilão do 5G, a mudança no marco regulatório do saneamento, a independência do Banco Central. Mas essas notícias não estão sendo suficientes para uma recuperação mais forte, em função desses fatores que mencionei, sobretudo ligados à fragilidade fiscal do país e a esse quadro político polarizado.”

O impacto da polarização política

“Se a polarização fosse ter, de um lado, um governo de esquerda, clássico e, de outro, um governo conservador, liberal na economia, não seria o fim do mundo. Esse pêndulo, desde que não seja muito amplo, funciona bem nas grandes democracias, mas hoje temos no Brasil um governo de direita que dá sinais de dificuldade na condução dos destinos
do país e de pouco apreço pelas instituições da democracia, o que cria um ambiente muito tenso. Do outro lado, temos a chance de volta ao governo de um grupo que, embora no início do primeiro mandato do ex-presidente Lula tenha tido bastante sucesso, depois deixou muito a desejar.

“A falta de tranquilidade política voltou a ser um fantasma”

Existem, portanto, dúvidas fundamentais em relação ao destino não apenas da economia mas também da nossa própria democracia. Tenho defendido publicamente uma terceira via que venha com uma proposta mais clara, mais convencional. Não é necessário reinventar a roda, mas precisamos de alternativas. Nosso desempenho econômico não é fruto apenas de erros tecnocráticos, muito pelo contrário, houve até reformas de qualidade aprovadas. Mas outras reformas importantes não foram aprovadas, como a tributária e a administrativa: não vejo saída para o país sem elas. Nossos problemas, no entanto, vão além dessa agenda de reformas.

A falta de tranquilidade política voltou a ser um fantasma. É uma fonte de incerteza, de risco muito grande. Temos uma situação fiscal insustentável, uma inflação elevada, que está atingindo violentamente sobretudo os mais pobres. É um ambiente que pode ser propício a populismos, tanto na campanha eleitoral quanto na atuação do próprio governo.”

A viabilidade das reformas

“As reformas tributária e administrativa são igualmente importantes. Não vejo saída sem as duas. A parte de tributação direta, como o ICMS, é um manicômio completo. Do lado do imposto de renda, temos um sistema muito injusto. Não acredito em propostas radicais, mas seria bom ter um sistema que corrigisse o modelo em que as pessoas que ganham mais pagam proporcionalmente menos.

Se comparado com os principais países do mundo, o Brasil gasta muito com Previdência e folha de salários. Precisaria direcionar esses recursos para comprar alguma paz macroeconômica e sobretudo para gastar em áreas que fariam o Brasil crescer mais e de uma maneira inclusiva. Eu me refiro aqui à educação, à saúde e a alguns aspectos da infraestrutura. O setor privado pode fazer uma parte, mas não faz tudo. Há muitas razões para se repensar e redirecionar o funcionamento do Estado. Mas esbarra em interesses antigos e amarrados que criam certa inércia nesses temas.”

Potencial de crescimento

“Se o Brasil não apresentar melhora em todas essas frentes, vamos ficar condenados a um crescimento medíocre e instável. Dificilmente haverá um progresso na criação de oportunidades para as pessoas, e mais mobilidade social, de que tanto precisamos. Se houver uma evolução na área política que permita um pouco de paz macroeconômica e um horizonte de tempo mais longo e propício ao investimento, o potencial de crescimento da economia brasileira poderá ser muito maior.

Em uma situação ideal, com um governo eleito com uma agenda correta e também uma coalizão política que possibilite um trabalho consistente e continuado, o potencial dessa expansão poderia ser o dobro do atual ou
mais no futuro.”

Henrique Meirelles: “As reformas são viáveis”

José Cruz/Agência Brasil

“A economia deve crescer pouco em 2022, em meio à incerteza. A situação do auxílio emergencial é mais controversa o que foi em 2020. De um lado, eleva o consumo. De outro, aumenta a percepção de risco fiscal — com preocupações até de risco de insolvência. A economia de 2022 vai ser influenciada um tanto pela percepção eleitoral, mas fortemente por questões fiscais.

O eventual furo do teto de gastos tem um impacto maior do que a preocupação com a eleição no
início do ano que vem. O resultado de um programa social com irresponsabilidade fiscal é ruim, como nossa história
demonstra. O que poderia ser feito? Faz-se a reforma administrativa, que diminui os custos da máquina federal e gera recursos para investir nos programas sociais. Isso seria inquestionável.”

O impacto da polarização política

“Acho que a polarização em si não é tão negativa. Nos Estados Unidos, o sistema político é polarizado por definição, existem dois partidos. Ninguém fica preocupado porque está polarizado entre dois campos. É normal, sempre foi assim. O que gerou muita preocupação no Brasil foram as ameaças de ruptura, principalmente a institucional.

É difícil avaliar no momento o que seria um governo Lula. Em 2002, ele fez uma carta aos brasileiros, assumiu o governo e fez um ministério conservador no sentido fiscal. E me convidou, um banqueiro, que acabara de deixar um banco internacional depois de 30 anos de trabalho, como presidente mundial, para ser presidente do Banco Central.
É esse o Lula ou será o Lula do segundo mandato?

Por enquanto, o Lula está fazendo o óbvio, na minha visão: tentando ganhar a eleição. Se o (presidente Jair) Bolsonaro diz que vai fazer um auxílio de R$ 400, o Lula vai lá e diz que vai fazer um de R$ 600. A esquerda, base forte de apoio dele, não gosta do teto. Como estratégia eleitoral, ele está capitalizando o apoio da esquerda.”

A viabilidade das reformas

“As reformas são viáveis, desde que haja comando, liderança política e decisão, vontade de fazer. Quando há um executivo dividido, evidentemente não é possível aprovar um programa com uma reforma séria. É necessário, em primeiro lugar, querer fazer a reforma. Se o governo tivesse agora uma atuação muito forte, seria possível: idealmente teria de aprovar ainda em 2021 ou no máximo em fevereiro de 2022.

As reformas administrativa e tributária são prioritárias. A tributária está pronta. Houve uma proposta da PEC45, em que os estados brasileiros chegaram a um acordo por unanimidade. É uma proposta ampla, que leva a estrutura tributária brasileira ao patamar dos países mais avançados.

Uma reforma administrativa muito eficiente pode reduzir a carga tributária

Simplificando, elimina toda a guerra tributária, toda a complexidade de cada produto, cada alíquota, cada estado, cada setor. Isso faz uma diferença enorme. De acordo com estudos do Banco Mundial, um dos maiores problemas de produzir no Brasil é exatamente a complexidade tributária. Em 2016, uma empresa brasileira gastava, em média,
2.600 horas por ano só preenchendo burocracia, fazendo contabilidade, acionando advogados, tudo para pagar imposto. Isso precisa cair dramaticamente, e essa reforma está lá, pronta.

A reforma administrativa tem um impacto muito forte, porque simplifica os procedimentos do governo federal. Isso tem um efeito de desburocratizar a atividade econômica e diminuir o custo do governo federal. Daria fôlego para outras opções de investimentos, de programas sociais à infraestrutura. É possível também, com uma reforma administrativa muito eficiente, permitir a redução da carga tributária.

Talvez seja uma visão muito otimista. Mas, possível, é.”

Potencial de crescimento

Linha de produçãono Brasil: é vital reduzir a burocracia (Foto: Getty Images)

“O potencial máximo de crescimento é 2% ou 3%. Mas existe a possibilidade de aumentar. Quando eu ainda estava no Ministério da Fazenda, apresentamos os resultados de um trabalho conjunto da Fazenda com o Banco Mundial, que mandou um grupo de técnicos para analisar o Brasil usando como base uma metodologia sobre a facilidade de produzir num país.

O estudo englobava 149 países. O Brasil estava na posição 120. No pior momento, chegou a 126. Após algumas mudanças foi para 119. Em resumo, um país de baixo potencial de crescimento. Fizemos um programa conjunto,
uma série de propostas visando aumentar esse potencial para cerca de 3,5%. Eu mesmo apresentei 15 propostas para o aumento da produtividade no Brasil. Uma delas é a reforma tributária, mas não essa que passou a ser o apelido da reforma do imposto de renda, proposta pelo governo federal, e sim a reforma tributária ampla.”

Maílson da Nóbrega: o dólar deveria estar em R$ 4,50

A desvalorização se deve “à percepção de que a situação fiscal é ruim e o governo atual é um gerador de instabilidades”

“Vai ser um ano muito difícil e muito diferente do que disse o ministro da Economia, de que o Brasil está decolando. Entendo que decolar é sair do chão, alçar voo e ficar lá em cima por um bom período. Veremos a economia crescer perto de 5% neste ano, portanto decola, mas logo declina.

O crescimento de 2021 vem da utilização da capacidade ociosa, não decorre dos mecanismos clássicos que expandem o potencial da economia — o investimento, a produtividade e a incorporação de mão de obra ao processo produtivo.”

O impacto da polarização na política

“A economia pode ter um desempenho pior do que se pensa por causa das incertezas do processo eleitoral. Além disso, o mundo está piorando. Temos crises de energia na China e na Alemanha. O gás — principal fonte de energia para as termelétricas — dobrou de preço em alguns segmentos. Por fim, o Federal Reserve (banco central americano)
deve aumentar as taxas de juro já em 2022.

O mar para os países emergentes não está muito favorável. Não existe aparentemente nenhum fator positivo que possa gerar um ambiente de confiança no Brasil, a não ser que o processo eleitoral ofereça alguma esperança. Caso contrário, podemos ver, como já ocorreu no passado, a confiança desaparecer dos mercados, os planos de investimento sendo adiados, a fuga de capitais, os juros subindo.

Tudo isso gera impactos para a economia.”

A viabilidade das reformas

“A principal das reformas é a tributária. Há duas andando, uma que é um horror, que é a do imposto de renda; a outra, boa, prevê acabar com o caos da tributação do consumo. É a PEC 45, que tramita na Câmara, mas acho muito pouco provável que seja aprovada, porque gera muitos conflitos.

Mesmo que seja aprovada, vai levar uns dois ou três anos para regulamentar, estabelecer as regras, as alíquotas: os resultados devem aparecer em uns cinco anos. No curto prazo, porém, teríamos uma luz no fim do túnel.

Já a reforma administrativa está cheia de problemas. É limitada no seu escopo e na sua extensão. É melhor vir um novo governo com capital político mais renovado, um presidente que tenha melhor capacidade política, que entenda como funcionam as instituições.”

Câmbio e potencial de crescimento

“Nos próximos anos, o potencial de crescimento não deve mudar muito, deve ficar entre 2% e 3%. É curioso que as consultorias quase sempre cheguem a esse número, mas ele acaba caindo para cerca de 1% no decorrer dos anos. Isso ocorre porque temos instabilidade, incerteza, mau governo.

Sobre o câmbio, nosso modelo na Tendências diz que a taxa de câmbio estrutural deveria ser de R$ 4,50. Está mais alta por causa da percepção de que a situação fiscal é ruim e o governo atual é um gerador de instabilidades. Se a pandemia continuar perdendo força e se tornar uma epidemia, depois uma endemia, é possível que o câmbio fique menos pressionado. Mas isso não acontece da noite para o dia.

Além disso, as incertezas políticas podem continuar atuando no lado oposto, especialmente num ano eleitoral.”

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