‘Não há evidência de decadência dos EUA ou de dólar ser menos usado’, diz Campos Neto

A perda da hegemonia do dólar como moeda de reserva global e um aparente enfraquecimento econômico dos Estados Unidos não são evidências suficientes de que o país está em decadência ou de que a moeda norte-americana será menos usada. A opinião é do ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto. 

Em um evento que debateu os cenários econômicos brasileiro e internacional, organizado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomércioSP) nesta quarta-feira (3) em São Paulo, Campos Neto afirmou que a hegemonia norte-americana, tanto no aspecto monetário quanto na inovação, permanece sólida.

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A força do dólar, para Campos Neto, vem das reservas internacionais em criptoativos. Segundo o ex-BC, o segmento que mais cresce hoje no mundo emergente é o de stablecoins — que são moedas digitais lastreadas em ativos físicos —, e que tiveram uma expansão de 300% ao ano. E a maior parte dos ativos físicos que garantem as stablecoins está em dólar.

“De todo stablecoin, 99% é dólar”, destacou Campos Neto. Para o economista, esse movimento gera um efeito colateral positivo para a economia americana: “Se o que mais cresce é stablecoin, e quase 100% é dólar, eu crio demanda cativa para títulos da dívida americana”, avalia.

Além da moeda, a atratividade dos EUA como polo de capital intelectual e financeiro continua desigual em relação ao restante do globo. “De tudo o que é levantado para investimento em inovação e tecnologia, 93% está nos EUA”, afirmou, concluindo que não há um “movimento de decadência”.

O legado da pandemia e a armadilha da baixa produtividade

A análise de Campos Neto traçou uma linha do tempo desde o período pré-pandemia, quando a maior preocupação dos bancos centrais era a deflação e o crescimento baixo, até o cenário atual de juros altos e endividamento.

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Ele relembrou que, antes da Covid-19, o mundo vivia um cenário de taxas de juros baixas, impulsionado por mudanças demográficas e de consumo. Com a chegada da pandemia, houve aumento dos gastos públicos de forma “sincronizada” entre todos os países.

Essa ação coordenada evitou uma depressão econômica — onde se temia uma retração da economia —, transformando-a em uma “recessão pequena” com recuperação rápida, no formato de “V”. Mas, até hoje, as sequelas permanecem.

O diagnóstico atual aponta para um problema estrutural de produtividade, agravado por escolhas políticas. Campos Neto observou que, diante da polarização política e do populismo, os governos optaram por não taxar a mão de obra, voltando-se para o capital.

“Dos 147 planos propostos de endereçar problema [fiscal, após a pandemia], 145 foram para aumentar imposto”, disse ele, ressaltando que a tributação recaiu sobre empresas. 

O resultado econômico dessa equação é o menor crescimento e menor produtividade.  “Se tenho mais mão de obra e menos capital, tenho baixa produtividade”.

Nesse quesito, os Estados Unidos novamente aparecem como um ponto fora da curva. Para Campos Neto, “com exceção dos EUA, todo o resto do mundo está com problema de produtividade”.

O peso da dívida global

Ele destacou ainda que o cenário fiscal global deteriorou-se significativamente e que Japão, Europa e EUA detêm dois terços da dívida mundial. Segundo Campos Neto, o custo dessa dívida saltou de 0,8% antes da pandemia para 3,1% atualmente. 

Embora não considere o problema “mortal”, ele alerta para as “rachaduras nas curvas longas de juros”, indicando uma percepção de risco maior a longo prazo.

Brasil: Risco fiscal e o papel da tecnologia

Ao trazer a discussão para o Brasil, Campos Neto elogiou a condução atual da política monetária, afirmando que o Banco Central tem feito um “trabalho muito bom” e que “não faria nada diferente”. Ele ressaltou, no entanto, que a autoridade monetária é “vítima” de um ambiente onde a percepção do risco fiscal está desancorada.

Para o futuro, ele sugere focar em políticas de incentivo à oferta, e não à demanda. “Não é dar mais dinheiro para gastar, mas sim para produzir”, afirmou. “A única forma é estimular o setor privado”, concluiu, alertando que sem aumento de produtividade, não há saída para a equação de dívida alta e juros elevados.

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