“Cenário mais construtivo para Brasil”: como a decisão do CMN sobre meta destrava novo gatilho para o mercado

Como esperado por boa parte dos agentes de mercado, o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou na última quinta-feira (29) que irá adotar uma meta de inflação “contínua” a partir de 2025. Além disso, o colegiado optou por manter, em 2026, a mesma meta de 3% já vigente para 2024 e 2025, com 1,5 ponto percentual de tolerância para mais ou para menos.

A notícia repercute positivamente no mercado, ainda que esperado e já com repercussão na véspera. Nesta sexta-feira (30), o Ibovespa registrava ganhos de 0,67%, a 119.181 pontos, às 10h25 (horário de Brasília) e o dólar comercial tinha baixa de 0,33%, a R$ 4,830 na compra e R$ 4,831 na venda, além da queda dos juros futuros. Com a decisão do CMN, um importante fator de incerteza deixa de influenciar as expectativas, dando mais espaço para otimismo no mercado.

“A decisão [de meta contínua] representa uma importante mudança no regime de metas de inflação. Essa abordagem é semelhante ao que acontece na maioria dos países, incluindo os EUA e o Reino Unido. O Copom – Comitê de Política Monetária do Banco Central – perseguirá uma inflação ao consumidor de 3,0% em todos os meses (a partir de 2025). Segundo o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o sistema de metas contínuas seria baseado em um horizonte de 24 meses, tópico ainda a ser definido pelo Banco Central. Vale dizer que é necessário esperar o decreto oficial para termos os detalhes da medida”, aponta a equipe de análise econômica da XP.

Também bastante importante, o CMN não alterou a margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo da meta. Ou seja, o IPCA pode oscilar entre 1,5% e 4,5%. “O mercado estava dividido quanto a esse assunto, com alguns agentes esperando uma ampliação do intervalo da meta para 2 pontos percentuais. A manutenção das bandas ajuda a conter as expectativas de médio prazo, embora ainda não vejamos uma convergência para a meta de 3,0% tão cedo, devido ao viés expansionista da atual política fiscal”, avaliam os economistas da casa.

A XP ressalta que a decisão pela meta contínua era esperada e, portanto, ela não altera a sua projeção para a taxa Selic no curto prazo, além de ver um corte de 0,25 ponto percentual em agosto, seguido de cortes de 0,50 ponto nas próximas reuniões.

Para Alberto Ramos, diretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina, a decisão atendeu amplamente às expectativas do mercado e é um desdobramento positivo.

“Esperamos que o mercado reaja positivamente e que as expectativas de inflação para 2024-26 melhorem ligeiramente, embora o horizonte relevante de 24 meses para perseguir a meta seja excessivamente longo em nossa avaliação”, avalia. Cabe ressaltar que, na véspera, também antecipando esse movimento, o Ibovespa subiu 1,46%.

Para Ramos, as decisões do CMN devem dar ao BC mais conforto para, salvo grandes choques negativos nas perspectivas de inflação, fazer uma inflexão de política na reunião de agosto e embarcar em um ciclo de flexibilização gradual e prudente”, avalia o economista, que também espera um corte de 0,25 ponto percentual na Selic, para 13,50%, na reunião de agosto.

Após o anúncio, o ministro da Fazenda, Haddad, continuou crítico em relação às atuais altas taxas reais e ao nível da Selic e expressou a convicção de que, com as decisões sobre a meta, o BC deva embarcar em um “ciclo consistente de corte de juros”.

“Dado que a decisão do CMN foi amplamente antecipada, esperamos um impacto leve/moderado nas expectativas de inflação, que ainda devem permanecer acima da meta de 3,0%. Assim, esperamos que o BC inicie um ciclo de flexibilização em agosto, mas seja cauteloso/prudente na gestão do ciclo de flexibilização dadas as perspectivas de inflação ainda desafiadoras, em particular entre os componentes do inflação que estão mais correlacionados com o ciclo de negócios e que tendem a ser mais inertes”, avalia.

A equipe de economia da Galápagos Capital, por sua vez, revisou sua projeção para a Selic de início do ciclo de corte em setembro para agosto, projetando uma baixa de 0,50 ponto percentual já na próxima reunião. “Olhando para frente, o comportamento da inflação mensal e os núcleos deve ser benigno, projetamos deflação de 0,1% para junho e inflação de 0,2% para julho. Esperamos que a inflação de serviços continue cedendo lentamente. A meta definida em 3% deve manter a tendência de queda das expectativas de médio e longo prazo. Estimamos que as expectativas de inflação para 2025, 2026 e 2027 que estão em 3,8% devem evoluir para próximo de 3,5%. Com inflação, núcleos e expectativas alinhadas com a meta de longo prazo de 3%, o Copom terá espaço para iniciar o ciclo de corte de juros em agosto”, apontam os economistas.

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Mesmo com a visão de muitos de ainda prudência, sem a projeção de que haja um corte de juros acelerado pelo BC, a expectativa de baixa nas taxas de juros e a redução nas projeções de inflação guiam uma visão mais positiva para o mercado neste fechamento de primeiro semestre.

Em relatório de meados do mês, o JPMorgan elevou as suas projeções para o Ibovespa ao final do ano de 130 mil para 135 mil pontos e ressaltou que, entre os eventos que poderiam destravar valor para o índice, estaria o CMN. Na sequência, atenção para a reforma tributária. Já a XP elevou neste mês o valor justo do Ibovespa de 128 mil pontos para 130 mil pontos para o final de 2023, também devido à melhora nas taxas de juros futuras.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, destacou que a decisão do CMN foi a mais prudente, por conta do contexto econômico, em que uma mudança agora na meta da inflação geraria uma instabilidade econômica e pressão sobre juros, inflação.

“Geraria também dúvida no investidor local, mas principalmente no investidor estrangeiro e institucional. Tudo isso traria muito mais instabilidade para a economia e para o País, mais do que traria pontos positivos. Foi a decisão mais assertiva do que uma mudança na canetada. Ver essa trajetória ao longo do tempo é mais inteligente, até para que as regras do jogo sejam mais claras para todos os participantes do mercado”, avalia Alves.

Leia também: Economistas veem amadurecimento do regime com adoção de meta contínua para a inflação

Dierson Richetti, sócio da GT Capital, destacou que a decisão mostrou uma união maior entre o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento para manter um equilíbrio macroeconômico para o Brasil. “Mostra que as três áreas estão trabalhando de uma maneira correta e para um mesmo caminho. E que as casas estão de acordo com a política que vem sendo adotada pelo Banco Central”, avalia.

“O ponto que eu chamo mais atenção da reunião foi o consenso em relação à nova metodologia que vai ser implantada a partir de 2025. Atualmente tem-se um único ano para se buscar a meta, mas a partir de 2025 terá início o regime contínuo, que é um processo muito mais eficiente, na minha visão. Além disso, é um modelo implantado no mundo inteiro hoje e isso dá mais margem para o Banco Central poder trabalhar melhor a banda e o controle da inflação porque há uma previsibilidade maior de tempo”, avalia Richetti.

Fazendo um balanço geral da semana, que contou com a ata do Copom, IPCA-15 de junho, Relatório Trimestral de Inflação, IGP-M e, por fim, a decisão do CMN, o Bradesco BBI aponta que o quadro macro brasileiro certamente melhorou.

“A decisão do CMN de manter metas de inflação no patamar de 3,0% e  com uma banda de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo foi um passo importante para solidificar a confiança no regime de metas de inflação brasileiro. Esperamos uma melhora adicional com a reancoragem das expectativas de inflação de longo prazo dos participantes do mercado, reduzindo o custo do processo de desinflação em curso”, aponta.

Em relatório, o BBI destacou que a valorização recente do real, que passou de R$ 5,06 no fim de maio para R$ 4,86 no fim de junho é, em sua visão, provavelmente decorrente de uma visão de política fiscal mais dura, aliada a uma visão de política monetária mais frouxa no Brasil, bem como o enfraquecimento do dólar globalmente.

O banco manteve o seu cenário base para a taxa Selic, assumindo o ciclo de flexibilização a partir de agosto com um corte de 25 pontos-base, com a Selic atingindo 12,25% ao fim de 2023 e 9,50% ao fim de 2024.

Com relação ao câmbio , os analistas revisaram suas projeções, esperando que o dólar termine 2023 a R$ 4,80 (ante visão anterior de R$ 5,20) e a R$ 4,90 em 2024 (ante visão anterior de R$ 5,25). Além disso, revisou sua projeção para o IPCA de 2023 de 5,8% para 5,2% e para 2024 de 4,1% para 3,9%.

“Pensamos que os riscos estão enviesados ​​para um cenário mais construtivo para o Brasil”, avalia o banco, que monitora os desdobramentos da reforma tributária, cenário de atividade doméstica e mais medidas para aumentar as receitas como os próximos eventos para ficar de olho.

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