Apesar do movimento global de corte das taxas de juros, especialmente nos EUA, e da alta da taxa Selic no Brasil, dificilmente o dólar retomará o patamar de R$ 5 no curto prazo, segundo especialistas.
Embora esses movimentos realizados, por parte dos bancos centrais, devessem favorecer, em tese, a valorização do real frente ao dólar, a falta de confiança na gestão fiscal do governo e os ruídos internos limitam o potencial de recuperação da moeda brasileira.
A espera pelo início do ciclo de afrouxamento monetário nos Estados Unidos parece ter sido tão longa que, quando o Federal Reserve (Fed) anunciou seu primeiro corte de juros na última semana, o Banco Central já estava iniciando outro ciclo de elevação da Selic.
Mas a verdade é que incertezas internas, principalmente fiscais e também de credibilidade do próprio BC, fizeram com que o mercado praticamente exigisse novas altas de juros.
Ibovespa Ao Vivo: Bolsa oscila após IPCA-15; VALE3, PETR4 e bancos sobem
Bolsas dos EUA operam mistas à espera de falas de Jerome Powell
Dólar hoje vira para alta enquanto mercado pondera sobre efeito do IPCA-15
Dólar comercial fechou em queda de 1,30% na véspera
Dólar e juros
Um dos grandes vetores dessa pressão – sobre os juros – foi o câmbio, que saiu do nível de R$ 5, que sustentou entre março de 2023 e março de 2024, para máxima de R$ 5,86 em agosto.
E assim, com a alta da Selic ocorrendo por aqui enquanto as taxas caem ao redor do globo, havia uma expectativa de que a elevação do diferencial de juros servisse como prêmio de consolação e o real conseguisse recuperar parte do terreno perdido.
Mas o que se viu até aqui foi uma tendência de queda atenuada em parte pela continuação dos ruídos internos.
Um exemplo claro disso foi a movimentação da divisa em setembro. Recuou de R$ 5,66 para R$ 5,42 entre os dias 12 e 19 de setembro, diante da expectativa e da materialização do corte pelo Fed e da alta do Copom. E já voltou a R$ 5,53, no dia 23 após o governo reduzir contingenciamentos de gastos.
“Alguns ativos descem de escada e sobem de elevador”, diz Otávio Oliveira da Silva, gerente de tesouraria do Banco Daycoval.
“Compra-se dólar em momentos de insegurança, especialmente aqui no Brasil, então as dinâmicas de alta e de baixa não são simétricas. No início do ano, o viés era mais neutro, mas o mercado achou por bem sair do real durante o ano, seja por questões internas ou incertezas externas, e não voltou. Agora a volatilidade voltou a subir e, no momento, parece fácil o dólar ‘estilingar’ e mais difícil voltar.”
Yuan chinês atinge o nível mais forte em relação ao dólar em mais de 16 meses
Moeda chinesa subiu à medida que os investidores avaliam uma série de medidas para apoiar a economia chinesa
Pacote chinês busca evitar desvalorização do yuan frente ao dólar após decisão do Fed
Após anúncio do pacote, ativos chineses tiveram seu melhor desempenho diário desde março de 2022
Efeito carry trade
O executivo diz que o diferencial de juros, ou ‘carry trade‘, tem limite de efeito, que acaba no ponto em que começam as questões idiossincráticas de um país – ou seja, características únicas ou específicas.
Nessa linha, aponta que se fosse só ter juro alto para a moeda performar, outros países com juros elevados estariam em posição melhor. Trazendo para o cenário local, acredita que existe uma insegurança em relação ao compromisso do governo com as contas públicas.
“No fim das contas, se fiscal, ruídos políticos e transição do BC forem relativamente controlados e não ocorrer evento fora do esperado lá fora, dá para pensar em um dólar a R$ 5,30 no fim do ano. Lula e Haddad também estão tentando diálogo com agências de rating e a volta do grau de investimento seria uma ótima notícia. Agora, se as coisas não correrem bem, fica até difícil precificar o patamar que o dólar pode atingir”, resume.
Diferencial de juros
O trader da Clear Corretora Rafael Perretti nota que o Brasil tem o segundo maior diferencial de juros do mundo, atrás apenas da Rússia. Além disso, o cenário externo é muito favorável porque o Fed começou a cortar juros, ou seja, espera que investidores saiam dos EUA para buscar maior rentabilidade em outros mercados.
Mas, olhando especificamente para o Brasil, ele enxerga um cenário interno instável e, enquanto continuar assim, acredita que o dólar continua sendo uma opção de proteção.
“Olhando para o gráfico, vejo o dólar entre R$ 5,50 e R$ 5,70. Se passar disso, pode ir a R$ 6. Se o governo sinalizar qualquer tipo de controle, pode voltar para a região dos R$ 5,40 e, se perder essa região, pode voltar ao patamar de R$ 5,10. O dólar ficou travado de novembro do ano passado até abril, e depois a volatilidade aumentou. E quanto mais aumenta o preço, mais aumenta a volatilidade”, diz.
O estrangeiro chegou a ter este ano uma posição muito grande comprada em dólar, de cerca de R$ 70 bilhões, e o custo para carregar isso está crescendo, diz José Faria Junior, diretor da Wagner Investimentos, indicando que o diferencial tende a limitar os ganhos do dólar.
Para ele, a Selic não deve ir muito além de 12% e o piso dos Fed Funds é em torno dos 3%. O diferencial que estava em 5% abriria para 9%, o que deveria trazer alívio, diz.
“Mas os preços das commodities, por exemplo, já estiveram melhores recentemente. E o saldo da balança comercial brasileira depende muito disso. Questão eleitoral dos EUA também pega. Kamala Harris quer aumentar impostos e o Donald Trump, tarifas. Os dois vão tentar atacar a China, mas o Trump vai ser mais incisivo, o que é pior para o Brasil. E, localmente, tem a questão fiscal”, diz.
Arcabouço
Em relação ao cenário local, ele argumenta que o arcabouço parece fácil de ser rompido. Muitos gastos ficam de fora e não há punição, ressalta Faria Júnior, e isso tem sido muito negativo para o mercado.
“Estamos vivendo momento de arrecadação alta e o governo só consegue pensar em equilibrar as contas via impostos. A queda das commodities impacta nisso, inclusive. Mercado está duvidando que o governo irá cumprir a meta fiscal.”
Por mais que o diferencial ajude, diz, o fiscal está pesando e deve continuar. Para ele, o dólar pode ir a R$ 5,20, R$ 5,30, mas não muito mais que isso.
“A inflação não deve ser um problema extremo porque o BC voltou a subir juros, mas vai continuar exigindo taxas elevadas e levará a piora do déficit nominal”, afirma. “Estamos vendo movimento especulativo para pressionar o governo a segurar a onda nos gastos, mas não parece que isso vai ocorrer.”
Recessão nos EUA?
O executivo da Wagner Investimentos diz ainda que está entre os que acreditam que é provável que haja uma recessão nos Estados Unidos, expectativa que ainda não se provou, mas que pode se materializar nos próximos seis a nove meses.
Caso isso ocorra, projeta ele, o Fed vai cortar mais do que o que está precificado e as commodities devem continuar performando mal. Isso seria ruim para o real inicialmente, podendo melhorar num segundo momento, completa.
The post Dólar a R$ 5? Como política fiscal trava valorização do real em novo cenário de juros appeared first on InfoMoney.