Ibovespa em forte queda, dólar acima de R$ 5: ânimo com arcabouço fiscal e com exterior chegou ao fim?

Após registrar a melhor semana do ano, com alta de 5,4%, o Ibovespa enfrenta dias menos positivos. Após duas sessões próximo à estabilidade, o índice registra queda expressiva nesta quarta-feira (19). Na mínima do dia, encostou nos 104 mil pontos (104.002 pontos mais exatamente), ou queda de 2,04%. Já às 13h40 (horário de Brasília), a baixa era de 1,68%, a 104.382 pontos.

O dólar, por sua vez, que tinha caído 2,8% na semana passada, atingindo mínimas em dez meses e chegando a ficar abaixo dos R$ 4,90, voltou a operar acima dos R$ 5, engatando a terceira sessão de alta. Nesta quarta, a alta era de 1,48%, a R$ 5,049 na compra e R$ 5,05 na venda.

O movimento coincide com o envio de mais detalhes sobre o arcabouço fiscal ao Congresso, mas não pode ser explicado só por isso, uma vez que indicações do exterior também trouxeram um aumento da aversão ao risco no mercado nacional.

Olhando para o cenário interno, algumas questões sobre o arcabouço seguem no radar após o envio ontem ao Legislativo. O Projeto de Lei Complementar agora inicia sua tramitação na Câmara dos Deputados e deve ter relator designado ainda nesta semana, com os trabalhos sendo abertos já na semana que vem. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou querer votar a nova regra até o dia 10 de maio – em estimativa otimista, mas possível, conforme destaca a Levante Ideias de Investimentos.

“O texto veio em linha com o esperado desde que a divulgação do marco fiscal foi feita. Assim como à época, as reações sobre o Projeto de Lei são mistas: enquanto alguns agentes de mercado entendem o avanço do tema como importante, outros – principalmente economistas e acadêmicos da área das finanças públicas – questionam o desenho da proposta”, aponta a casa.

A grande novidade do texto em relação ao que havia sido apresentado anteriormente foi o detalhamento dos parâmetros que levarão à variação de despesas (de acordo com a receita), além do detalhamento das exceções ao cálculo. Entre as cerca de 10 despesas que fugiram à regra, contudo, observa-se que grande parte delas já eram excepcionais desde a vigência do teto de gastos.

“Certamente, as nuances mais técnicas do arcabouço seguirão sendo fruto de discussões intensas no mercado, mas o foco de monitoramento de risco agora passa a ser o que vem após a aprovação da regra: o pacote de aumento de receitas – o quanto será, de fato, arrecadado pelo governo visando o objetivo de resultado primário para 2023 – e o avanço da reforma tributária”, aponta a equipe de análise da Levante.

Do ponto de vista político, a casa acredita em uma aprovação deste novo marco ainda no primeiro semestre, concluindo sua tramitação em ambas as Casas e indo à sanção presidencial. Não se vislumbra grandes dificuldades para que o texto avance na Câmara e no Senado e – sob risco de parecer contraintuitivo dada a natureza de Brasília – pouco deve ser alterado em relação à redação elaborada pelo governo.

“Em outras palavras, não teremos um afrouxamento das regras estabelecidas, conforme temiam alguns, mas tampouco será possível aprovar um arcabouço mais rígido, como queriam outros”, afirma.

Já na véspera, os juros futuros tiveram alta firme com uma recepção cautelosa dos agentes financeiros, uma vez que a regra foi considerada mais “frouxa” do que o esperado, já que não haverá punição em caso de descumprimento da meta de resultado primário. Outro ponto que provocou reação foi a base de reajuste para a inflação, que utilizará o IPCA real de janeiro a junho e outro IPCA estimado de julho a dezembro.

De acordo com Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, de modo geral, os detalhes apresentados no texto da regra fiscal confirmaram a maioria das expectativas criadas a partir da apresentação anterior do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“Alguns detalhes negativos, entretanto, chamam atenção. O uso das receitas estimadas do Projeto de Lei Orçamentária Anual [PLOA] de 2023 é talvez a maior surpresa negativa. Ainda não estava claro como o governo definiria a base para as definições da regra em 2024. Como o orçamento feito no ano passado deve superestimar as receitas deste ano (de acordo inclusive com o relatório bimestral do governo) a base para definição de despesas será inflada para o ano que vem”, avalia o economista.

Já na parte de investimentos, outro ponto negativo é que não haverá limite para o uso de excessos do resultado primário em 2024, indicando que na prática no ano que vem há um teto para o primário, aponta.

“Por fim, o governo deixou de fora da regra de despesas os gastos com capitalização de empresas estatais não financeiras. Nenhum desses detalhes altera substancialmente a regra, que ainda deve ser submetida ao congresso, mas pioram um pouco o cenário com relação ao que foi apresentado pelo ministro Haddad”, afirma.

Analistas do Citi afirmaram em relatório que havia incerteza sobre a presença de receitas extraordinárias e como elas podiam gerar aumento gastos.

“Considerando esse risco, o governo definiu que apenas a arrecadação de impostos recorrentes será contabilizada. Em segundo lugar, o governo listou todos os tipos de despesas que serão consideradas exceções. Algumas delas já eram uma exceção ao teto de gastos –como algumas transferências de fundos específicas, custos eleitorais e alguns outros”, apontam.

Além disso, contribuindo para a maior cautela, estão as declarações de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, ainda indicando persistência da inflação.

Campos Neto reforçou nesta quarta em evento que o índice geral de inflação no Brasil tem diminuído e deve alcançar o piso em junho, voltando a acelerar depois, terminando o ano em torno de 6,0%.

Mas ressaltou que os núcleos de inflação seguem resilientes, indicando que o BC precisa persistir na estratégia de política monetária. “Trabalho não está feito ainda em inflação e precisamos ser persistentes.” Cabe ressaltar que, na semana passada, foi divulgado o IPCA, que mede a inflação oficial do Brasil, referente a março, com número abaixo do esperado e que elevou a expectativa por corte de juros pela autoridade monetária ainda no primeiro trimestre.

Ele também apontou em reunião com investidores em Londres que o BC avaliou o arcabouço como “razoável”, mas voltou a afirmar que não necessariamente levará a uma queda dos juros.

Exterior também não contribui

Além do cenário interno, a política monetária internacional também está no foco dos investidores.

Na véspera, Raphael Bostic, presidente da divisão do Federal Reserve (Fed) de Atlanta, declarou que apesar dos indicadores de desaceleração da economia dos Estados Unidos, “a inflação permanece elevada”. Ou seja, Bostic indicou que a alta dos preços segue no topo da agenda de preocupações do Banco Central americano.

“E para não deixar dúvidas, ele acrescentou que o Fed deverá elevar as taxas referenciais em 0,25 ponto percentual para a faixa entre 5% e 5,25% ao ano, a mais elevada desde 2007”, avalia. E os juros “poderão permanecer lá por um bom tempo” pois “ainda há muito trabalho a fazer” para que a inflação, atualmente ao redor de 5% ao ano, retorne à meta de 2%.

Isso após algumas semanas com vários indicadores de desaceleração da economia, aumentando a expectativa de desaceleração também da alta de juros pelo Fed. Na primeira semana do mês, quatro indicadores sucessivos do mercado de trabalho americano mostraram um alívio nas contratações. E na semana seguinte, o Consumer Price Index (CPI) de março ficou bastante abaixo das expectativas, recuando praticamente todo um ponto percentual no acumulado em 12 meses.

Contudo, as declarações recentes de diretores do Fed foram em outro sentido. A melhor explicação para isso, segundo a Levante, é a resiliência da inflação. Apesar dos diversos indicadores de desaceleração, a relação entre oferta e demanda por mão de obra nos Estados Unidos segue desequilibrada em favor da demanda. Há mais vagas do que trabalhadores disponíveis, o que eleva os salários e os custos das empresas. E além disso, insumos estruturais como o petróleo seguem com cotações elevadas.

“A explicação, aqui, vai além da mão invisível do mercado e passa pelas políticas deliberadas dos países exportadores de restringir a produção para manter os preços elevados. Tudo isso pressiona a inflação”, apontam os analistas.

Além disso, um outro indicador surpreendeu negativamente o mercado. Na madrugada de quarta-feira foi divulgada a inflação no varejo na Inglaterra. A taxa acumulada nos 12 meses até março ficou em 10,1%. Apesar de ter desacelerado em relação aos 10,4% de fevereiro, o índice de março ficou acima dos 9,8% esperados e permanece no território dos dois dígitos.

“Na prática, uma inflação de 10,1% não é muito diferente de uma inflação de 9,8 %, ainda mais se considerarmos que esse é o acumulado de 12 meses. Porém, na economia as expectativas são tão importantes quanto os fatos. Ao observar que os preços seguem subindo aceleradamente, os agentes econômicos – empresários e trabalhadores – seguem tentando reajustar tanto seus salários quanto o preço dos produtos e serviços, o que retroalimenta os índices de inflação. E a Inglaterra é uma economia importante. Livre de amarras e bem menor do que a americana, ela tende a refletir com mais agilidade as alterações na demanda global”, avalia.

Desta forma, ressalta a Levante, os números ingleses e as declarações de diretores do Fed levam à conclusão que ainda vai demorar para que os investidores sintam algum alívio na política monetária.

Para o Credit Suisse, o dado de inflação do Reino Unido solidifica a visão de um aumento dos juros em maio e coloca riscos de alta para a previsão de taxa terminal de 4,5% na taxa básica de juros.

Tal cenário contribui para a alta do dólar, uma vez que a queda da divisa nas últimas sessões foi muito atribuída aos ganhos de investidores estrangeiros com o carry trade.  Isso acontece quando o Brasil tem taxas de juros elevadas em relação a economias desenvolvidas (que é o caso atualmente), um fluxo comum é a de entrada de recursos estrangeiros para aproveitar essa diferença. Com juros mais altos dos desenvolvidos, a expectativa é de que essa operação perca a atratividade (ainda que haja um diferencial de juro grande dessas nações frente a Selic, atualmente a 13,75% ao ano).

A queda das commodities (especialmente minério e petróleo) com a expectativa de aperto monetário nos países desenvolvidos, além da atual da China especialmente no minério, também leva a uma pressão maior sobre a moeda brasileira e para o Ibovespa, uma vez que boa parte da composição do índice é de companhias ligadas a commodities.

O que esperar?

Com essa volatilidade para o câmbio e para o Ibovespa, uma questão que fica no radar é sobre qual deve ser o desempenho dos ativos no curto e médio prazos.

Em análises anteriores, diversas casas haviam apontado que o dólar poderia ficar abaixo de R$ 5 no curto prazo, mas que previam a divisa acima desse patamar no fim do ano.

No curto prazo, os analistas da XP veem riscos equilibrados para a taxa de câmbio, mas mantêm a previsão de taxa de câmbio a R$  5,30 no final de 2023, com uma média anual de R$ 5,15.

A Rico, por sua vez, destaca que as incertezas sobre os fatores que levaram à valorização recente da moeda brasileira seguem altas, especialmente relacionadas aos riscos fiscais por aqui. Assim, esperam que o dólar encerre 2023 em R$ 5,30 e 2024 em R$ 5,40.

“Mas vale destacar que essa projeção não significa que esse será o valor da taxa de câmbio ao longo de todo o ano. Pelo contrário, esperamos que o ‘sobe e desce do dólar’ siga presente, especialmente diante do alto nível de incerteza nos cenários global e doméstico”, avalia.

Em relatório, o Bradesco BBI apontou que, em seu caso base, assume o dólar a R$ 5,20 em 2023 e a R$ 5,25 em 2024.

O Citi destacou em relatório nesta quarta-feira que via a alta do real como temporária, uma vez que os bancos centrais globais estão indicando que o trabalho deles não está encerrado no combate à inflação. Ao mesmo tempo, há incertezas sobre a negociação do arcabouço fiscal com o Congresso. Além disso, dado que a nova regra é altamente dependente do crescimento da receita, este se apresenta também como o maior risco para o governo.

“A aprovação da nova âncora fiscal deve ocorrer com algum barulho, enquanto a aprovação das medidas de aumento de impostos pode custar mais no Congresso, afetando as contas públicas”, avalia. Assim, o banco vê o real acima de R$ 5 e espera que a moeda termine o ano a R$ 5,19.

Para o Ibovespa, as visões de médio prazo são diversas. O Morgan Stanley mantém exposição neutra em relação às ações do Brasil dentro do portfólio de América Latina, mas tem aumentado gradualmente o espaço dos ativos do país sensíveis à queda de juros, enquanto vê progressos na regra fiscal podendo levar a um “mini ciclo” de queda da Selic.

Já o Bank of America destacou ter visão positiva para o Brasil dentro da América Latina, com posição overweight (exposição acima da média do mercado).

“Provavelmente continuaremos vendo uma deterioração dos balanços das empresas brasileiras nos próximos trimestres, uma vez que a atividade continua desacelerando. Os resultados do 4T22 já foram abaixo das expectativas. Enquanto as revisões de lucros para baixo continuam, em nossa opinião a desaceleração já está precificada nos níveis de valuation atuais”, aponta o banco.

Em relatório recente, a XP destaca levantamento feito pela casa com assessores de investimento, mostrando cautela ainda com a renda variável.

No último mês, apenas 16% dos assessores disseram que seus clientes pretendem aumentar sua alocação em renda variável, próximo das mínimas. Além disso, 74% dos assessores disseram que seus clientes mantêm entre 0-25% das carteiras em Renda Variável.

Os fluxos dos fundos de investimento, segundo os dados da Anbima, mostram uma história semelhante, aponta a casa. Os fundos de ações continuam observando saques expressivos, assim como os fundos multimercados e de renda fixa. Em 2023, os fundos de ações já tiveram R$ 24 bilhões de saques, enquanto os fundos multimercados tiveram saques de R$ 37 bilhões. Em 2022, os fundos de ações tiveram R$ 27 bi de saques, enquanto fundos multimercados tiveram R$ 88 bi de saques líquidos.

“Ou seja, o investidor brasileiro segue retirando recursos de ativos de risco, em meio à alta de taxas de juros e ao aumento das incertezas”, avalia.

A XP, por sua vez, acredita que a margem de segurança dos ativos brasileiros seja elevada, o que corrobora com maior otimismo. “O que isso quer dizer? Que os ativos de risco no Brasil (câmbio, juros e Bolsa) seguem negociando com um grande desconto em relação ao seu histórico, em relação aos seus pares de mercados emergentes, e em relação ao seu valor intrínseco”, aponta.

Recentemente, os estrategistas elevaram a sua projeção para o Ibovespa de 125 mil pontos para 128 mil pontos ao fim de 2023 também levando esses fatores em consideração.

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