O novo Marco Cambial, que entra em vigor no último dia do ano (31 de dezembro), vai proporcionar mudanças ao consumidor que usa moedas estrangeiras, como a permissão de compra e venda entre pessoas físicas de até US$ 500 e aumento do limite de dinheiro em espécie que cada pessoa pode portar nas viagens internacionais, dos atuais R$ 10 mil para US$ 10 mil. Também dispõe sobre o mercado de câmbio nacional, o capital brasileiro no exterior, os recursos que entram no país e a prestação de informações ao Banco Central.
Segundo especialistas consultados, a nova lei também dá brecha para que novos produtos sobre contas correntes em dólar no Brasil sejam estruturados. Hoje, o consumidor residente no país consegue abrir conta corrente em dólar em bancos digitais, como Inter e C6 Back; e em fintechs, como Nomad e Wise.
Mas as operações são mantidas em outros países, já que por aqui não há uma regulamentação específica para esse tipo de serviço. Grandes bancos também têm soluções mais voltadas ao público private. Também já é possível abrir contas em dólar para investimentos, como na XP.
O que a nova lei cambial vai proporcionar é uma desburocratização capaz de fomentar todo o ecossistema para que surjam novas soluções mais populares. Embora nada ainda esteja definido, os especialistas acreditam nas seguintes possibilidades:
brasileiro residente passa a ter uma conta em dólar em seu banco sediado no Brasil;
brasileiro não residente terá conta em reais morando fora do país.
No texto do Marco Cambial, a proposta presente no art. 5, inciso IX, que flexibiliza essas possibilidades é vaga e diz o seguinte: “compete ao Banco Central do Brasil regulamentar as contas em moeda estrangeira no país, inclusive quanto aos requisitos e aos procedimentos para sua abertura e sua movimentação”.
“Como não havia nenhuma disposição anteriormente mencionando esses critérios para contas em moedas estrangeiras, esse trecho por si só já é considerado um avanço”, avalia Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor do escritório RBLR.
“Esse trecho é o primeiro passo para se discutir a possibilidade de abertura de conta em dólar no país e estabelecer eventuais detalhes sobre seu funcionamento”, concorda Juliana Strohl, advogada e líder da área jurídica da startup Kamino.
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Antes do Marco Cambial, os procedimentos e requisitos relacionados às contas em moeda estrangeira no país eram tratados pelo Conselho Monetário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Economia. “Agora, a regulamentação efetiva sobre contas em moeda estrangeira no país serão de responsabilidade do Banco Central, o grande regulador do mercado financeiro e de fluxos cambiais no país”, explica o advogado do RBLR.
Na visão de Renato Aoki, diretor de operações bancárias da Remessa Online, o marco cambial altera as regras de câmbio para um formato mais condizente com a atual realidade do mercado. “As regras que determinam como o mercado atua hoje são antigas”. Houve uma edição do texto em 2013 [Circular nº 3.672], mas boa parte da regulamentação vigente vem do século XX.
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Contas em dólar no Brasil
Hoje as contas correntes em dólar têm custo mais reduzido se comparadas com o cartão de crédito por dois motivos: primeiro, pela conversão da taxa de câmbio, que costuma seguir a tabela do dólar comercial, cuja cotação é mais baixa que a do dólar turismo, usado como base para compras feitas no cartão de crédito. Segundo, pela redução de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 6,38% para 1,1%. Nas contas em dólar, o imposto é de 1,1% cobrado sobre a conversão de real para dólar em contas de mesma titularidade.
Depois da conversão, o consumidor utiliza o dólar por meio de um cartão de débito vinculado a essa conta corrente. Ao fazer isso, é como se a moeda utilizada pelo cartão de débito fosse dólar, portanto, não há mais IOF. Por outro lado, ao utilizar no exterior um cartão de crédito emitido no Brasil há a incidência de 6,38% de IOF. O consumidor compra algo em dólar, mas a moeda da conta vinculada a este cartão é o real, o que torna a operação mais cara. Além do IOF, cada empresa cobra uma margem própria da operação. Essa tarifa varia, a depender da moeda e da quantia de dinheiro convertida.
Na Nomad, por exemplo, a maioria dos clientes tem o “perfil viajante”, aquele que usa o cartão da empresa para viagens ao exterior. “O consumidor pode fazer o câmbio de real para dólar direto no app da empresa e utilizar para compras em dólar, euro e outras moedas”, diz Celso Pereira, diretor da Nomad.
Na Wise o processo é similar. Ao permitir que a conta em dólar seja ofertada pelos bancos sediados no Brasil, o marco cambial poderia ampliar o acesso a esse tipo de serviço. “Mais players ofertando isso, significa mais opções para o consumidor e produtos mais baratos”, afirma o executivo da Remessa Online.
Esse formato de conta corrente em dólar no Brasil seria algo novo para o Banco Central. Por isso, será necessário um período para que a instituição faça consultas públicas e ouça o mercado para entender o melhor formato, segundo Strohl. “Tudo ainda é muito incipiente. É esperado também um padrão de verificação de dados que as instituições terão que seguir para checar o histórico do consumidor e liberar a ele o acesso à conta em dólar”, complementa.
Essa verificação é importante, sobretudo, para conter esquemas de lavagem de dinheiro.
Caso esse formato seja regulamentado, o brasileiro poderá movimentar sua conta em dólar como se fosse a corrente em reais. “Poderia, por exemplo, fazer um Pix entre as contas do mesmo titular e converter direto, tudo dentro do mesmo app do banco”, sugere Strohl.
Ainda não há previsão sobre a implementação desse serviço no Brasil, segundo o BC. Em nota, a autoridade monetária disse ao InfoMoney que a nova lei não trará novas restrições ou permissões em relação à situação atual.
Hoje podem ser titulares de contas em moeda estrangeira no Brasil:
as agências de turismo e prestadores de serviços turísticos;
os Correios;
as administradoras de cartões de crédito de uso internacional;
as empresas encarregadas da implementação e desenvolvimento de projetos do setor energético;
os estrangeiros transitoriamente no país e brasileiros residentes ou domiciliados no exterior;
as seguradoras, resseguradoras e corretoras de resseguro;
os transportadores residentes, domiciliados ou com sede no exterior;
os agentes autorizados a operar no mercado de câmbio;
e as embaixadas, delegações estrangeiras e organismos internacionais.
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Como abrir uma conta em dólar?
As instituições que oferecem o serviço permitem que todo o processo seja feito de forma online. Veja os procedimentos:
O consumidor deve baixar o app da empresa de sua preferência;
Informar dados cadastrais, como nome, telefone, endereço, CPF, profissão, renda, etc;
Enviar fotos de seus documentos e, geralmente, uma selfie sua com o documento;
E aguardar a análise do perfil e aprovação da conta, que demora cerca de dois dias;
Feito isso é possível transferir o dinheiro em real para o app e fazer a conversão para dólar.
Na Wise, Nomad, e Inter a abertura é gratuita, enquanto no C6 Bank há uma taxa de US$ 30 — são isentos clientes da categoria Carbon e clientes que tenham mais de R$ 20 mil investidos em CDBs do banco. É preciso ficar atento se há taxas também para emissão do cartão.
As contas globais permitem também que o consumidor faça saques no exterior. E mais um detalhe: elas podem conter a chamada “taxa de inatividade”, quando o cliente fica um período sem movimentar a conta.
“Antes de abrir a conta em dólar, o consumidor deve comparar as opções de mercado, entender as taxas envolvidas e os benefícios de cada instituição”, afirma Celso Pereira, da Nomad.
É importante lembrar que o dólar é uma moeda que sofre muitas oscilações. “A escolha por ter conta em dólar precisa ser racional”, lembra Juliana Inhasz, economista e professora de finanças do Insper.
E para quem é viajante? “Abrir uma conta em dólar para não manter dinheiro físico na preparação de uma viagem para o exterior pode ser muito útil e usar um cartão, por vezes, é mais prático do que levar o valor em notas durante o passeio”, pontua Allan Inácio, coordenador de administração e professor de finanças da PUC-PR.
Conta em reais no exterior
Ter uma conta em reais fora do país é uma outra possibilidade que o marco cambial deve proporcionar, na visão dos especialistas consultados.
A regulamentação sobre abertura de contas no Brasil dispõe que a instituição regulada tenha os dados cadastrais do usuário, como nome, documento de identificação e endereço (eletrônico e residencial). Hoje, quem não possui endereço ou CPF no Brasil não consegue realizar a abertura da conta. “Com a criação da conta em reais no exterior, isso passa a ser possível para não residentes e estrangeiros”, diz Strohl.
Ela pontua que trazer essa solução para o mercado tem como objetivo facilitar a vida do brasileiro que mora fora do país e que tem alguma relação fiscal no Brasil, como pagamento de pensão ou Darf do governo. Estrangeiros que buscam alguma transação com o real também teriam facilidades. “O Banco Central quer expandir a atuação do real no exterior, que hoje é muito restrita, e como consequência deixar que mais pessoas tenham acesso à moeda”, diz.
Pix internacional?
Juliana Strohl, advogada e líder da área jurídica da startup Kamino, entende que há uma simetria de normas entre a conta em reais no exterior, a conta em dólar no Brasil e o Pix Internacional. “As possíveis modificações no marco cambial indicam uma afinidade entre esses assuntos, mas ainda não existem detalhes. O esperado é que bancos estrangeiros (que mantenham contas em outras moedas que não o real) também possam aderir ao Pix, permitindo sua utilização do sistema de pagamento instantâneo de forma internacional”, explica.
Hoje o Pix pode ser usado em qualquer lugar do mundo desde que a operação seja feita em reais e entre dois bancos participantes do Pix no Brasil. Uma iniciativa de Pix Internacional, chamada Nexus vem sendo desenvolvida pelo Bank for International Settlements (BIS), instituição conhecida como o “Banco Central dos bancos centrais”.O BC brasileiro acompanha a iniciativa como observador.
Para Renato Aoki, da Remessa Online, o marco cambial pode abrir caminho para a instantaneidade, eficiência e baixo custo nas operações, características do Pix. “Temos o desafio tecnológico e de infraestrutura internacional para viabilizar a liquidação entre as instituições. Este não é apenas um desafio para o Brasil, mas para todos as nações que pretendem oferecer instantaneidade nas remessas internacionais”, afirma.
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Conta em reais para não residentes
Uma novidade que já pode ser realidade, a partir do dia 31 de dezembro, é a chamada equiparação de conta entre residentes e não residentes.
“O estrangeiro que hoje busca abrir uma conta no Brasil enfrenta muita burocracia por causa da documentação. É como se as instituições não reconhecessem um documento que não seja emitido no Brasil e, por isso, não podem ter clientes que não são brasileiros e ainda não têm residência permanente no país. Com o marco cambial, a ideia é simplificar esse processo”, explica Yves Berbert, diretor da Wise no Brasil.
A chamada conta de domiciliado no exterior (CDE) tem, porém, um custo alto. O valor para abertura varia entre R$ 1.000 e R$ 2.000, além da taxa de manutenção, que pode custar entre R$ 400 e R$ 2.000, a depender do banco.
Sob o marco cambial, as instituições vão passar a reconhecer um documento estrangeiro em seu onboarding permitindo acesso de um estrangeiro ou não residente a uma conta em reais. Na Wise, por exemplo, a opção estará disponível a partir de 3 de janeiro.
“As diretrizes ainda precisam ser definidas para que mais soluções cheguem até o consumidor, mas o marco cambial por si só já representa uma evolução ao sistema financeiro brasileiro”, resume o executivo da Wise.
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