Multimercados têm 1º trimestre mais rentável em sete anos; veja o resultado dos melhores fundos do período

Depois de uma verdadeira “tempestade perfeita” em 2021, que derrubou os retornos até mesmo de gestores famosos, a virada do ano parece ter trazido bons ventos para os fundos multimercados.

Entre janeiro e março de 2022, o desempenho do Índice de Hedge Funds Anbima (IHFA), que representa a média dos multimercados de gestão ativa no Brasil, foi o melhor para um primeiro trimestre nos últimos sete anos.

O indicador avançou 6,12% no período, quase três vezes mais do que o retorno oferecido pelo CDI, taxa usada como referência para essa classe de ativos.

A conclusão é de um relatório da XP, complementado por dados levantados pelo InfoMoney junto à plataforma Economatica.

Desempenho do IHFA no 1º trimestre (2015 a 2022)

AnoRetorno20157,48%20161,88%20174,70%20184,36%20192,17%2020-7,19%20210,10%20226,12%

Fonte: Economatica

O fato chama a atenção, especialmente porque o indicador apresentou movimento contrário ao longo de 2021: naquele ano, o IHFA avançou apenas 2,04%, valor que ficou abaixo do desempenho do CDI no ano, que foi de 4,42%.

Boa parte da melhora na performance do IHFA está especialmente ligada ao desempenho de posições em Bolsa e câmbio, explica Nicolas Merola, analista de fundos da casa de análise Inv (antiga Inversa).

O especialista diz que os fundos multimercados demoraram um pouco para entrar e aproveitar o fluxo estrangeiro positivo para ações de empresas ligadas a commodities, porque havia uma certa insegurança dos gestores sobre tais posições.

Quando finalmente entraram, o resultado foi perceptível. Na segunda quinzena de março, o indicador teve avanço expressivo, diz Merola. Nesse período, o IHFA subiu 2,98%, acompanhando a puxada mais forte do EWZ, principal ETF (fundo de índice) brasileiro negociado no mercado americano, que avançou mais de dois dígitos. Os números são da Economatica.

“Foi o período em que o EWZ mais subiu, e esse ETF está bastante ligado à Bolsa e ao câmbio, o que indica [quais eram] as grandes posições dos multimercados”, avalia o analista da Inv.

Com relação ao câmbio, posições vendidas (que se beneficiam da desvalorização) em dólar contra o real dominaram os portfólios, segundo Merola.

A exposição a juros também parece ter ajudado os multimercados no primeiro trimestre, com destaque para alocações tomadas (que se beneficiam da alta de juros) em países emergentes, afirma Carolina Oliveira, coordenadora de análise de fundos e uma das autoras do estudo da XP.

O Brasil, no entanto, acabou ficando fora de boa parte das exposições direcionais das gestoras. Para Maurício Reis, analista de fundos da Tag Investimentos, a explicação é que os multimercados não costumam aplicar em juros durante os ciclos de alta da Selic.

“Durante o ciclo de elevação, não há muita informação ou visibilidade de onde vai parar [a subida da Selic]. Então, tivemos pouca posição ativa nesse mercado”, aponta Reis.

Destaque também para alocações compradas em inflação implícita, observa Rodrigo Sgavioli, head de alocação e fundos da XP Investimentos. Ou seja, operações em que os gestores ganham quando a expectativa de inflação sobe ao longo do tempo.

“Os gestores conseguiram ver bem essa tese de inflação global e ganharam dinheiro. Muitos ficaram tomados em juros e vendidos em dólar. Além disso, houve um forte posicionamento de ficar comprado [apostando na valorização] em commodities”, acrescenta Carolina, da XP.

O que mudou de 2021 para 2022?

Carolina explica que a melhora dos resultados dos multimercados na virada do ano é fruto da maior visibilidade dos gestores de que o cenário inflacionário não é mais transitório, como se acreditou ao longo do ano passado. “A diferença está na clareza do cenário que temos hoje”, acrescenta.

A especialista detalha que, no começo da pandemia, havia uma ideia de que os aumentos de preços estavam ligados à falta de oferta e que isso geraria inflação, porém transitória. Na sequência, com a reabertura da economia e com os vários estímulos oferecidos por governos, a inflação deixou de um problema temporário e passou a ser vista como uma situação permanente.

A partir desse momento, observa Carolina, a elevação dos juros pelos bancos centrais deixou o campo das ideias e passou a ser uma medida a ser implementada. “Passamos a ter uma visão de que o mundo seria mais inflacionário e de que a resposta dos BCs [bancos centrais] de todo mundo envolveria elevar os juros”, diz.

“Tomado” em juros e vendido em dólar contra real

Uma das estratégias de maior sucesso no trimestre foi a posição tomada em juros, especialmente americanos. Essa foi, inclusive, a principal contribuição para a performance do fundo Vinland Macro Plus no período. O produto ficou entre os dez multimercados com melhor performance entre janeiro e março de 2022.

Confira a seguir a lista dos demais fundos multimercados que obtiveram melhor retorno no primeiro trimestre deste ano:

Fundos multimercados com melhor retorno no 1º trimestre de 2022 Retorno em março (%)Retorno no 1º tri (%)Retorno em 12 meses (%)Retorno em 3 anos (%)Vista Multiestrategia Fc FI Mult13,1027,8554,58157,32Logos Total Return FICFI Mult3,00%18,40%2,3226,18Asa Hedge Fc FI Mult7,3417,2222,2945,62Capstone Macro FICFI Mult7,8814,5728,11–Norte Long Bias Fc FI Mult9,6614,3918,21–Mar Absoluto FICFI Mult2,7014,1015,4564,86Vinland Macro Plus Fc FI Mult Ie5,2013,9426,3573,77Spx Nimitz Feeder FIC Mult7,3413,1517,7144,20Xp Macro Plus Fc FI Mult4,6512,6323,6743,07Seival Fgs Agressivo FICFI Mult5,6511,807,2856,82

Fonte: Economatica

Para o levantamento, foram considerados fundos não exclusivos, com gestão ativa, patrimônio líquido médio superior a R$ 100 milhões em 12 meses e mais de 99 cotistas no fim de março.

Em contrapartida, fundos de crédito privado foram excluídos da seleção. Os dados foram extraídos da plataforma de informações financeiras Economatica no dia 5 de abril.

Quem explica os bons resultados do fundo macro da Vinland é José Monforte, sócio e gestor de juros da casa. Ele afirma que, no fim do ano passado, a gestora acreditava que a inflação americana tinha alcançado determinado nível em que se mostrava mais persistente e menos temporária do que se acreditava. Nesse momento, diz, a visão era de que o Federal Reserve (Fed) estava atrasado no ajuste de juros e que seria preciso reduzir o balanço do banco.

“Quando virou o ano, vimos que o Fed teria que realizar muito mais altas do que estava sendo precificado. Diante desse cenário, viemos nos preparando para esse ambiente”, afirma Monforte.

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A partir daí, ele conta que a posição focada na normalização dos juros nos Estados Unidos – juntamente com o restante de uma alocação tomada em juros de países emergentes, como Chile e Colômbia, iniciada no terceiro trimestre de 2021 – respondeu por uma boa parcela dos ganhos entre janeiro e março.

Somado a isso, uma exposição vendida em dólar contra o real ajudou a dar o tom para garantir retornos de 13,94% no primeiro trimestre deste ano.

Embora tenha conseguido rentabilidades interessantes com tais posições, Monforte diz que reduziu recentemente a posição vendida em dólar contra o real. “A assimetria parece menor agora. Houve uma mudança estrutural de direção”, observa o gestor. “No cenário que temos hoje, se o dólar subir um pouco, a gente prefere vender”.

Na visão do executivo, há uma série de razões que favorecem a apreciação do real contra o dólar. Ele destaca que mesmo se o Fed elevar os juros para algo entre 3% e 3,5% até o fim de 2022, o juro no Brasil estará em 12,75% ao ano, segundo declarações recentes do Banco Central. “O diferencial de juros ainda será grande. O risco que teremos é de mais volatilidade no cenário”, pondera.

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Um dos fatores que podem impulsionar a maior flutuação de preços é o cenário eleitoral, que parece bem desenhado, por enquanto, segundo o gestor. Monforte não descarta que o processo possa ter surpresas, mas diz que não vê razões hoje para mudar o cenário de apreciação do real contra o dólar.

Commodities e bancos X economia doméstica

Apesar de ter obtido ganhos com posições tomadas em títulos americanos (treasuries) e alocações vendidas em dólar contra o real, um dos grandes destaques da performance do Norte Long Bias no primeiro trimestre foi a alocação em Bolsa. O fundo também é um dos que está na lista dos dez melhores desempenhos no primeiro trimestre.

Gustavo Salomão, CIO da Norte Asset Management, conta que, ao longo de janeiro e fevereiro, o fundo estava bem posicionado em empresas de commodities e bancos. No caso da primeira, observa, o motivo era claro: as medidas de afrouxamento monetário anunciadas pela China em dezembro do ano passado poderiam ser um fator importante para impulsionar para cima o mercado de commodities.

Naquele momento, boa parte da exposição estava comprada em papéis como Vale (VALE3), 3R Petroleum (RRRP3), Petrobras (PETR3); (PETR4), São Martinho (SMTO3) e SLC Agrícola (SLCE3), por exemplo, que poderiam se beneficiar de um cenário mais favorável para matérias-primas.

Já a justificativa para a posição em bancos, como Itaú ITUB4), Banco do Brasil (BBAS3), além de BTG Pactual (BPAC11), estava na perspectiva de aumento de juros e também no valuation (preço) barato, detalha o CIO.

Com a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia no fim de fevereiro, a Norte viu que o desbalanceamento na oferta de algumas commodities seria favorável para alguns papéis. Dessa forma, optou por manter algumas posições, como Vale, 3R Petroleum e Petrobras, por exemplo.

Ao longo de março, a visão de que a guerra ficaria contida na Ucrânia se consolidou, assim como a de que era hora de se posicionar em papéis ligados à economia doméstica – que tinham ficado com os preços defasados. Entre as ações que a casa possui atualmente estão Arezzo (ARZZ3), Hypermarcas (HYPE3), Intelbras (INTB3) e Totvs (TOTS3), consideradas companhias resilientes e de maior qualidade.

Mais recentemente, diante do cenário de inflação elevada, a casa reduziu parte do risco do portfólio. Apesar de ver que alguns papéis ainda estão descontados, Salomão diz que diminuiu a posição líquida comprada em Bolsa, de 80% em janeiro para 60% em março. Em março, o Ibovespa subiu 6,06%.

Outra posição que sofreu alterações foi a alocação em câmbio, que teve a exposição vendida em dólar contra o real zerada. Segundo o CIO, a razão é que agora o potencial de ganho diminuiu, especialmente depois que a moeda americana chegou a ser negociada abaixo dos R$ 4,80.

Mudanças também nas alocações tomadas em juros americanos, que foram diminuídas. Em sua justificativa, o gestor disse que agora o mercado precifica sete altas na curva de juros dos Estados Unidos, número maior do que o previsto em janeiro.

“A dinâmica nos Estados Unidos é de juros para cima, mas achamos que a curva já andou muito. Se pegarmos o nível de juros do título de dez anos no começo, ele estava bem abaixo dos 2,6% que temos agora”, conclui o CIO da Norte.

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