Tripé macroeconômico: o que é e qual a sua importância

A economia é repleta de jargões que podem parecer difíceis e distantes, mas quando sabemos o seu significado, percebemos que muitos deles influenciam diretamente o nosso dia a dia. É o caso do tripé macroeconômico, mecanismo criado em 1999, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, e que define a política econômica praticada no Brasil ainda hoje.

A expressão leva esse nome por se referir a três elementos: inflação, taxa de câmbio e equilíbrio das contas públicas. Essas variáveis atuam não somente sobre a economia, mas também se refletem nos investimentos de forma geral, conforme mostraremos neste guia produzido pelo InfoMoney. Para saber mais sobre a importância desse tema e como ele afeta as suas finanças, continue a leitura a seguir.

Contexto histórico

Para entendermos a lógica do tripé macroeconômico, é importante conhecermos o contexto econômico brasileiro que o antecedeu e que levou à sua criação.

De meados dos anos 1960 até o início dos 1970, o Brasil viveu o chamado “milagre econômico”, marcado pela realização de grandes projetos de infraestrutura que impulsionam a economia de forma muito rápida. O cenário da época favorecia esses investimentos, pois embora o governo não tivesse recursos para bancar a totalidade das obras, havia muita oferta de dinheiro no exterior, principalmente nas economias exportadoras de petróleo. Essa facilidade de crédito fez com que o Brasil aumentasse bastante seu endividamento externo.

Porém, a partir do primeiro choque do petróleo, em 1973, as coisas começaram a mudar no mercado internacional. Na ocasião, o Oriente Médio, grande produtor e que já regulava o escoamento do petróleo por se tratar de uma fonte não renovável, parou de vender para países aliados de Israel, devido ao acirramento do conflito entre árabes e judeus. Com isso, o preço do barril quase quadruplicou em três meses, encarecendo a produção industrial no mundo todo.

Para enfrentar essa alta, os Estados Unidos aumentaram os juros do mercado internacional, o que deixou a nossa dívida externa mais cara, pois ela era pós-fixada. Mesmo assim, o governo brasileiro decidiu continuar tomando recursos para investir em setores de grande porte, como energia, siderurgia e transportes.

O golpe final na dívida externa brasileira veio em 1979, com o segundo choque do petróleo, desta vez provocado pelo Irã. Em apenas um ano, os juros norte-americanos saltaram mais de 50%, chegando a cerca de 20% ao ano em 1980.

Crise da dívida e o Plano Real 

A pancada nos juros promovida pelos EUA jogou não só o Brasil, mas toda a América Latina, na crise da dívida já no início dos anos 1980. Em seu canal no YouTube, Juliane Furno, economista assessora da Presidência do BNDES e professora da UERJ explica o processo:

“Além de não receber mais capital de fora, o Brasil ainda tinha que fazer superávit constante na balança comercial para pagar juros e amortizações da dívida externa. Tudo isso impactou fortemente a inflação, pois a dívida alta desequilibrou a relação comercial do Brasil com os outros países”.

A crise da dívida trouxe a hiperinflação ao Brasil, e vários planos econômicos foram criados entre os anos 1980 e 1990 para conter a escalada de preços. O que finalmente teve êxito foi o Plano Real, em 1994, que estabeleceu a paridade de 1 para 1 entre real e dólar. 

Os três pilares da economia brasileira

O trecho abaixo faz parte de uma entrevista que o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, concedeu ao programa Roda Viva em 1999, depois do anúncio do tripé macroeconômico:

“O que se tem hoje é uma mudança que dá à taxa de câmbio uma função diferente da que tinha antes. Antes, o governo dizia para a taxa de câmbio: ‘você toma conta da inflação’, e dizia para a taxa de juros: ‘você toma conta do balanço de pagamentos’, que é um regime de taxa de câmbio fixa. Hoje, nós estamos escalando o time de maneira diferente; estamos dizendo para a taxa de câmbio: ‘você toma conta do balanço de pagamentos’, e para a taxa de juros: ‘você toma conta da inflação’. Só que nada disso funciona sem uma boa política fiscal”.

Na fala, o ex-ministro mostrou qual a função de cada um dos três pilares da política econômica que o Brasil passaria a adotar, conforme explicaremos agora.

Câmbio flutuante

No sistema de câmbio flutuante, adotado pela maioria dos países, o valor do real frente ao dólar é determinado pela oferta e pela demanda. Embora hoje isso pareça óbvio, não era assim que funcionava nos primeiros anos do Plano Real, antes do tripé macroeconômico.

Como funcionava antes?

De fato, a paridade entre dólar e real ajudou a frear a inflação astronômica que assolava o Brasil na época. Entre outros efeitos, o dólar mais “barato” favoreceu a entrada de produtos estrangeiros no mercado brasileiro, aumentando a competitividade e desacelerando ainda mais os preços.

No entanto, isso acabou gerando outro custo para a economia brasileira, pois, no jargão econômico, “nossa âncora cambial era artificial”. Em outras palavras, a paridade entre as duas moedas era determinada pela política econômica, e não pelo valor do real em si. Isso significa que, para manter o real valendo o mesmo que o dólar, o governo precisava ter nos cofres a mesma quantidade dos dois.

“Para manter a artificialidade da âncora cambial, o Brasil precisava de mais dólares e promoveu diversas ações para conseguir isso. Uma delas foi o aumento dos juros de forma exorbitante para atrair capital estrangeiro. Na época, a Selic chegou a um valor nominal de 45%, mas o capital estrangeiro que entrava era basicamente especulativo”, explica Juliane.

Segundo a economista, isso acabou gerando um efeito bola de neve. “Quando as reservas cambiais e a atração de capital estrangeiro já não eram suficientes, o governo contratava ainda mais dívida externa. O resultado disso foi que o Brasil terminou os anos 1990 com mais dívida do que começou, tanto interna quanto externa”, diz.

Por fim, em 1999 a âncora cambial foi substituída pelo modelo de câmbio flutuante.

Meta de inflação

O segundo elemento do tripé macroeconômico é a meta de inflação, que serve como referência para a evolução dos preços medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE.

Quem define a meta de inflação é o Conselho Monetário Nacional (CMN), sendo que ela pode variar entre bandas acima e abaixo do centro, normalmente de 1,5 ponto percentual. Por exemplo, se o IPCA projetado para o ano é de 5%, isso significa que é permitida uma oscilação para o índice entre 3,5% e 6,5% no período.

A tarefa de garantir que a meta de inflação seja cumprida é do Banco Central, e o principal instrumento que utiliza para isso é a taxa Selic. A cada 45 dias, o Comitê de Política Monetária da entidade (Copom) se reúne para deliberar sobre o patamar dos juros brasileiros. Se o cenário é de inflação, a autoridade monetária tende a elevar a Selic, para tornar o dinheiro mais caro, o que desestimula o consumo e contém a inflação de demanda. Por outro lado, quando a inflação dá sinais de queda, o Copom pode cortar os juros para fazer com que mais pessoas gastem, o que impulsiona a economia.

Como funcionava antes?

Antes do tripé macroeconômico, o elemento principal no controle da inflação era a taxa de câmbio. Como explicou Armínio Fraga, o objetivo da Selic era controlar o balanço de pagamentos, que são as transações do Brasil com outros países. Com a Selic alta, os investidores estrangeiros tinham mais interesse em adquirir títulos públicos brasileiros, e isso favorecia a entrada de capitais de que o País precisava para garantir a paridade cambial. Mas, como vimos, essa artificialidade gerou mais prejuízos do que ganhos, pois nossa dívida aumentou expressivamente. 

“Na ocasião, Celso Furtado chegou a dizer que a gente trocou a inflação por um outro grande problema macroeconômico, que foi o endividamento externo”, relembra Juliane Furno.

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Meta fiscal

O terceiro pilar da política econômica brasileira é a meta fiscal, que visa controlar os gastos públicos para que não ultrapassem a arrecadação do governo. Enquanto a meta de inflação é determinada pelo CMN, a meta fiscal é de responsabilidade do Congresso Nacional, que, a cada final de ano, aprova a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para o ano seguinte. Basicamente, a LDO estabelece o quanto o governo pode gastar com saúde, educação, salários de servidores, investimentos e demais aspectos necessários ao funcionamento da máquina, excluindo as despesas com juros da dívida pública. O objetivo é que as receitas sejam sempre maiores do que esses gastos – o que gera uma situação de superávit primário. Quando o oposto acontece, ou seja, quando o governo gasta mais do que arrecada, temos o déficit primário.

O arcabouço fiscal, que aguarda sanção do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio substituir o antigo teto de gastos, utilizado desde 2016 para determinar a meta fiscal anual.

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Como funcionava antes?

Antes da meta de superávit primário, não havia limite para o endividamento do Poder Executivo. Isso significa que, sempre que julgassem necessário, União, estados e municípios podiam tomar recursos para arcar com gastos públicos. Isso desequilibrou as contas públicas por muitos anos, comprometendo a performance de governantes que já recebiam orçamentos estourados de seus antecessores.

Para disciplinar essa prática, pouco tempo depois de criada a meta fiscal, o Governo Federal sancionou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000. Essa lei determinou a necessidade de transparência nas contas de todas as esferas do Executivo, que seriam auditadas pelos respectivos tribunais de contas. Se a LRF fosse descumprida, isso seria considerado crime de responsabilidade, o que poderia levar o chefe do Executivo a ser alvo de um processo de impeachment.

Qual a importância do tripé macroeconômico?

Ao manter o real valorizado artificialmente, o governo acabou provocando um desequilíbrio no balanço de pagamentos, pois a entrada de capital, produtos e serviços era bem maior do que a saída. No curto prazo, isso favoreceu o controle da inflação; mas os investidores passaram a olhar com desconfiança o Brasil no médio e longo prazo, pois tinham dúvidas se o governo conseguiria equilibrar suas transações internacionais novamente. Dependendo do grau de desconfiança do mercado externo, poderia ocorrer no Brasil uma fuga maciça de capital estrangeiro, semelhante ao que viveram Argentina e México nos anos 1990. 

Outro ponto crítico era a taxa de juros elevada. Para continuar atraindo capital externo, a Selic era mantida nas alturas, mas isso prejudicava o investimento em setores produtivos da economia. Isso porque o dinheiro que entrava no Brasil era de curto prazo, pois não fomentava o desenvolvimento, mas sim a especulação financeira. Ao mesmo tempo, as empresas nacionais eram penalizadas pelo custo de produção, que se tornou extremamente alto.

Algo precisava ser feito para corrigir o desequilíbrio gerado pelo câmbio fixo e juros altos. Assim, a equipe econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso elaborou o tripé macroeconômico já no início de seu segundo mandato, em 1999, adicionando a meta fiscal à equação. Com a casa “organizada”, o Brasil já não seria um país à beira de um colapso econômico, como alguns emergentes na mesma época. Teoricamente, isso daria mais segurança ao capital internacional em relação a nossa política econômica.

Críticas ao modelo

Embora tenha trazido mais estabilidade à economia, o modelo não resolveu todos os problemas, e sofre críticas de diversos economistas ainda hoje, que apontam algumas de suas imperfeições. 

Uma delas é o regime de câmbio totalmente flutuante, o que prejudica setores da economia de maior valor agregado. Para o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Fazenda no governo José Sarney e um dos maiores defensores da industrialização brasileira, um país em desenvolvimento não pode deixar o câmbio flutuar livremente. Em vez disso, deve administrar a taxa de câmbio para que ela flutue de forma a tornar competitivas as indústrias mais sofisticadas.

O segundo aspecto diz respeito à meta de inflação, que estabelece limites baixos sem levar em consideração as causas do processo inflacionário. Quando a alta generalizada dos preços ocorre porque mais pessoas querem consumir, o aumento dos juros é eficiente para conter os preços. Mas há momentos em que a inflação sobe porque determinados custos ficam mais altos mesmo que a demanda esteja baixa. Um exemplo disso foi a falta de insumos para diversas indústrias durante a pandemia de covid-19,, o que causou a ruptura de cadeias de produção no mundo inteiro. Segundo economistas mais heterodoxos, aumentar os juros em tempos como esses para controlar uma inflação alta desacelera ainda mais a economia.

Por fim, há quem defenda que o superávit primário não seja totalmente rígido, mas varie de acordo com o ciclo econômico. Ou seja, que o governo possa ajustar a meta fiscal quando precisar gastar mais ou abrir mão de arrecadação para fomentar a economia.

Como o tripé macroeconômico impacta nos investimentos?

Pelo fato de determinar o funcionamento da política econômica, o tripé macroeconômico influencia diretamente a performance dos investimentos. Para simplificar o entendimento, destacamos alguns pontos básicos a seguir.

Confiança do investidor

De forma geral, o cumprimento das metas fiscais e de inflação e fiscal trazem segurança ao mercado, pois os investidores entendem que a economia está sendo conduzida de forma eficiente.

Por outro lado, se o governo gasta mais do que arrecada de maneira recorrente, o capital estrangeiro recua, com receio de um calote na dívida pública. Já uma inflação alta e persistente prejudica não só o poder aquisitivo da população, mas a economia como um todo, o planejamento da atividade empresarial.

Previsibilidade do câmbio

Teoricamente, o regime flutuante traz mais previsibilidade às taxas de câmbio. Nesse caso, as empresas que atuam no mercado internacional, ou que possuem custos atrelados ao dólar, conseguem projetar melhor os seus resultados Isso também ajuda analistas e investidores a traçarem perspectivas para a performance das ações, dependendo do momento do mercado. 

Auxílio na tomada de decisões

Conhecendo o tripé macroeconômico, podemos chegar a conclusões que nos auxiliam na tomada de decisões. Por exemplo, quando a inflação está alta, a expectativa é de que a Selic suba ou, ao menos, se mantenha elevada por algum tempo, o que torna a renda fixa mais atrativa. Por outro lado, quando os juros estão em queda, a renda variável ganha força, pois o investidor percebe que precisa assumir mais risco para aumentar as chances de ganhos. 

Ainda quanto aos juros, outra análise que podemos fazer é como a trajetória da Selic influencia os setores da bolsa. De forma geral, um patamar mais elevado favorece o setor financeiro, como bancos e seguradoras. Já os juros em queda impulsionam a performance do varejo, small caps de tecnologia e outros segmentos que demandam investimentos ou são dependentes de crédito.

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