Durante meu período na Diretoria Colegiada do Banco Central, entre novembro de 2003 e abril de 2006, me foi dada, dentre outras responsabilidades, a tarefa de simplificar e modernizar a regulação do mercado de câmbio dentro das possibilidades definidas pelo marco legal então existente.
Concretamente, coube à Diretoria de Assuntos Internacionais, como era conhecida à época, formular um projeto que alterasse dispositivos infralegais, isto é, resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN), assim como circulares do próprio Banco Central (BC) respeitando os limites da legislação cambial em vigor naquele momento.
Não havia, a propósito, uma única lei tratando da questão cambial, mas um conjunto complexo de diplomas legais, alguns ainda da primeira metade do século 20 (como, por exemplo, o Decreto 23.258, de 1933), outros mais recentes, como a própria lei que criara o Plano Real, passando por legislação dos anos 1960, tal qual a Lei 4.131 (de 1962, regulando capitais estrangeiros), ou a 4.595 (de 1964, que criou o BC e o CMN).
Avançou-se um tanto nesta frente com a unificação dos regulamentos do mercado de câmbio, iniciando-se um processo de simplificação que continuou bem depois de minha saída do BC. Houve, inclusive, mudanças legais, por exemplo, pela MP 315 (depois convertida na Lei 11.371), que abrandou o requerimento de internalização da moeda estrangeira obtida pelas exportações, permitindo às exportadoras manter uma fração, determinada pelo CMN, daquele montante no exterior (hoje 100%)
A notícia da publicação da Lei 14.286, no final do ano passado, representou mais um passo importante neste caminho. Trata-se, para começar, de consolidação de mais de 40 diferentes dispositivos legais editados nos últimos 100 anos, agora resumidos num único documento, de não mais do que 10 páginas.
Muito embora ainda tenhamos que esperar o detalhamento das regras por parte do CMN e BC, o movimento parece congruente com o progresso da regulamentação brevemente descrito acima.
Não se trata, a bem da verdade, um Big Bang na legislação cambial. Há alterações moderadas, como, por exemplo, o fim da proibição à compensação privada de créditos entre residentes e não-residentes, mas agora sujeita à prestação de informações na forma a ser definida pelo BC. Além disto, se alguém comprar de um amigo até US$ 500 de forma “eventual e não profissional”, deverá se alegrar ao saber que não mais violará a lei.
E, pelo que entendi, a lei finalmente parece dar um tratamento definitivo ao capital estrangeiro no país que ainda enfrentava problemas com seu registro (“capital contaminado”), assunto que custou muito trabalho ao BC ao longo de décadas, sem contar a dor de cabeça das empresas envolvidas no problema.
Minha maior preocupação, confesso, seria com a permissão de contas em moeda estrangeira no país. Embora me pareça correto permitir que pessoas mantenham seus recursos na moeda que preferirem, para mim o ideal sempre foi que isto se materializasse em contas (devidamente declaradas) no exterior e não em território nacional, por razões puramente prudenciais.
A este respeito, segundo o BC, “com relação a contas em moeda estrangeira no Brasil, é importante registrar que a nova lei não traz qualquer inovação quanto às situações específicas em que tais contas são admitidas, nem traz indicativo para expansão dessas possibilidades”. Vale dizer, continuarão como exceção, aplicáveis a casos muito particulares, como acredito que deva ser.
No conjunto da obra, portanto, há progresso, mas essencialmente dentro da evolução gradual da legislação/regulamentação cambial (e de capitais) observada nos últimos 33 anos, refletindo não apenas a maior integração do país com o resto do mundo, mas também um cenário de maior estabilidade das contas externas.
Além da minha satisfação pessoal ao ver o avanço nesta área, para a qual pude, graças ao trabalho da equipe do BC, contribuir, acredito que a nova lei caminha no sentido de dar maior segurança jurídica para as transações cambiais. Parabéns ao BC por ter capitaneado mais uma mudança importante no país.
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