O dólar, nessa semana agitada pós-eleição, tem recuado frente ao real. Nesta quinta-feira (3), apesar de a moeda americana disparar frente a maioria das divisas do mundo – com o DXY (índice que mede a força da moeda americana frente a outras divisas de países desenvolvidos) avançando 1,47%, impulsionado pela movimentação do Federal Reserve da véspera – ela subiu apenas 0,14% frente à brasileira, negociada a R$ 5,125 na compra e a R$ 5,126 na venda, acumulando ainda baixa de 3,3% na semana.
Apenas na segunda-feira, a moeda americana caiu 2,54% e surpreendeu parte do mercado. O esperado era que a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) geraria um fluxo de saída de capital, pelo menos em um primeiro momento, na sessão pós-eleição. O petista sempre foi visto como alguém que tem uma política fiscal mais expansiva e uma política econômica mais heterodoxa, o que tende a aumentar o chamado risco Brasil.
Projeção da BGC Liquidez, feita consultando 230 players institucionais e publicada na sexta-feira pré-eleição, sobre a expectativa de reação do dólar após a eleição
Aparentemente, porém, há motivos para contestar essa ideia.
O próprio fim da incerteza quanto ao futuro político do Brasil, com o próximo presidente definido, tende a trazer fluxo de capital. Investidores, agora, sabem, ao menos num primeiro momento, o que devem esperar do país nos próximos anos.
Ainda que o partido do presidente eleito tenha implementado no passado algumas políticas vistas como negativas pelo mercado, Lula traz consigo, também, alguns fatores considerados positivos pelo investidor estrangeiro. Apenas no dia 31, o primeiro após a eleição, o fluxo de capital proveniente do exterior foi de R$ 1,9 bilhão.
“Lula é muito bem visto pelos investidores estrangeiros em termos de articulação política. Ele já disse, também, que fará um um governo não só para o PT, mas para todos os partidos”, diz Alex Martins, analista da Nova Futura Investimentos.
O petista vem sinalizando, então, que irá governar pelo centro e que não adotará políticas econômicas radicais. Apesar de defender certa intervenção na Petrobras (PETR3;PETR4) e falar de fim do teto de gastos, ele já mencionou, em campanha, que colocará outra âncora para o tanto que o governo irá gastar durante seu mandato.
Além disso, os boatos seguem fortes de que ele irá convidar um nome “pró-mercado” para o seu ministério da Economia. Nesta quinta, circularam diversas notícias de que Henrique Meirelles poderia vir a assumir o posto – o que foi bem aceito por investidores e ajudou a melhorar a performance dos ativos brasileiros no dia, apesar de terem sido negadas posteriormente.
O especialista da Nova Futura explica também que Lula deve passar uma imagem de mais segurança sobre a relação do Executivo com o Legislativo e o Judiciário.
O atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), sempre teve atritos com outros poderes – o que aumenta o chamado “risco político”, uma das variáveis que pesa sobre o risco Brasil.
Menor risco político e ESG
“Quando há atrito entre poderes, o investidor estrangeiro se mantém distante, porque tem dificuldades em analisar o investimento”, diz Martins. “No governo Bolsonaro, era mais difícil prever essa relação. Quando a gente tem expectativa de que esses riscos vão diminuir, isso também se inverte. Havia muito investimento represado por conta dos ruídos”.
Tudo isso, de acordo com ele, permite o estrangeiro fazer uma análise do Brasil “de cima a baixo”.
Ainda neste sentido, Dan Kawa, gestor da TAG Investimentos, fala que, recentemente, investidores vinham precificando na moeda brasileira a chance de um colapso institucional.
“Me surpreendi com a movimentação do real. A explicação parcial que vejo para ela é que podia ter gente usando o câmbio para o hedge de catástrofe. Existia um medo, principalmente pelos estrangeiros, de que o Bolsonaro poderia não aceitar o resultado das eleições, não entregar o cargo”, destaca o gestor. “Tanto políticos locais quanto internacionais sinalizaram que não há espaço para isso”.
Os protestos bolsonaristas, que pediam uma intervenção federal e que vinham acontecendo desde domingo, vêm perdendo força com o passar do tempo. Isso também diminui o risco político. Em boletim na noite de quinta-feira, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que todos os bloqueios de rodovias decorrentes de protestos de manifestantes bolsonaristas contra resultado da eleição presidencial foram desfeitos, e restavam apenas 24 pontos de interdição parcial do fluxo de veículos em estradas do país.
Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital, traz outro ponto que pode ter influenciado na dinâmica entre dólar e real: a questão ESG (Governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês).
Bolsonaro, durante seu mandato, teve vários atritos nesta frente, principalmente na questão ambiental. Entre outras coisas, o desmatamento da Amazônia aumentou e, em determinado momento, o ex-ministro do Meio Ambiente foi gravado falando que o governo tinha de aproveitar o fato de a atenção estar na pandemia para desmatar e “passar a boiada”.
“O investidor estrangeiro sempre mostrou preferência pelo Lula em termos ambientais e de comércio exterior”, diz Portella.
Felipe Cima, da Manchester Investimentos, corrobora com a visão.
“Havia muitos fundos impedidos de comprar Brasil por conta de restrições impostas pelo ESG”, expõe o especialista da Manchester.
O Nordea, banco e grupo financeiro finlandês, por exemplo, retirou nesta quinta-feira o veto ambiental a bonds do Brasil, principalmente por conta da eleição. Um dos principais gestores do AkademikerPension, fundo de pensão dinamarquês, falou que agora ficará de olho em investimentos no Brasil e que o país, até antes da eleição, era visto como um “pária internacional”.
Brasil está melhor do que pares e “fez lição de casa”
Fora as questões políticas, o Brasil, recentemente, vem despertando o interesse de investidores estrangeiros .
“Quando a gente considera os mercados emergentes, o Brasil é o que sai com melhor desempenho frente a outros como Índia, África do Sul e Rússia”, comenta Daniel Pontes, especialista da SWAP Câmbio e Capitais Internacionais. “A gente é, em tese, um país que vem gerando superávit e que fez a lição de casa no pós-pandemia elevando juros e controlando a inflação”.
O Banco Central brasileiro iniciou seu ciclo de alta dos juros antes da maioria das outras autoridades monetárias e hoje oferece um juros real considerável.
Nas últimas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), sendo a mais recente realizada na semana passada, a Selic ficou inalterada, em 13,75% ao ano. Nos Estados Unidos, maior economia do mundo, o Federal Reserve vem aumentando sua taxa básica de juros.
Na quarta, a autoridade monetária americana, após reunião do Comitê de Mercado Aberto (Fomc), decidiu por aumentar a fed funds em 0,75 ponto percentual, para o intervalo entre 3,75% e 4%. Além do mais, o presidente do Fed, Jerome Powell, trouxe um tom considerado duro pelo mercado em suas falas, indicando uma taxa terminal mais alta.
Essa diferença entre ciclos da política monetária acaba também trazendo algum fluxo para os ativos de risco brasileiros. O esperado é que o BC comece um ciclo de baixa da Selic antes do que as demais autoridades monetárias, o que tende a beneficiar o mercado interno.
“Quando a gente compara o Brasil com a Europa e os EUA, vemos que o Brasil, apesar de ser um país emergente e muito grande, vem fazendo uma boa gestão da sua inflação”, acrescenta Pontes.
Na parte fiscal, a despeito dos “furos no teto”, o Brasil também vem apresentando um resultado parcialmente positivo. Em setembro, o setor público consolidado teve, por exemplo, um superávit de R$ 10,7 bilhões, com R$ 130,8 bilhões acumulados no ano.
Parte disso é explicado porque o país deve crescer neste ano, com o mercado prevendo que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 2,76% neste ano, de acordo com o último Boletim Focus, e 0,64% em 2023 – isso enquanto a economia da maioria dos países recua.
“Como o capital sempre procura portos de segurança, a gente considera que o Brasil é, possivelmente, um desses. É um país com um grande potencial de crescimento, talvez apresente um crescimento de 3% esse ano. O mercado global enxerga, talvez, o Brasil como uma oportunidade”, diz o especialista da SWAP.
Como último fator, as commodities também são apresentadas como diferenciais para a performance da moeda brasileira frente ao dólar. Mesmo que os preços destas tenham caído recentemente, a maioria dos produtos não manufaturados continua sendo negociados acima das suas medias históricas.
A tonelada de minério de ferro, por exemplo, fechou nesta quinta negociada a US$ 87,65 no porto chinês de Dalian, abaixo do patamar visto há um ano atrás, quando chegou a ultrapassar os US$ 150. Contudo, o preço atual é semelhante àquele registrado antes da pandemia. O barril de petróleo Brent se afastou da máxima de cerca de US$ 130, mas nos US$ 95 de hoje ainda está muito acima da média histórica.
Tudo isso impulsiona a balança comercial brasileira, que também vem registrando superávits, tendo um saldo positivo de US$ 51,6 bilhões nos dez primeiros meses do ano.
Para o futuro, relação entre dólar e real vai depender de política econômica e Fed
José Raymundo de Faria Júnior, sócio da Wagner Investimentos, afirma que, apesar da alta recente do real, e de o mercado estar acenando a Lula, investidores continuarão monitorando os passos do presidente eleito do Brasil e que não há um “cheque em branco”.
“Ficamos na expectativa da equipe econômica do próximo governo. Lula vem falando que quer um nome político e isso não seria uma surpresa. Mas, não sendo um nome de mercado, teremos de ver quem irá integrar a equipe”, explica Faria Júnior. “Fazenda, Tesouro, Planejamento e BNDES são importantes. Se não forem nomes técnicos, é preciso ver a equipe”.
De qualquer forma, após a escolha, é possível, para o especialista, que o real volte a se fortalecer frente ao dólar, por conta, novamente, do recuo da incerteza política.
“Acho que é cedo para falar em quedas mais fortes. Temos, agora, um período de remessas e de pagamentos de dividendos, mas é mais fácil ficarmos próximos a R$ 5 do que de R$ 5,50”, explica. “Para cair de cinco de forma sustentada, porém, há uma série de fatores há serem cumpridos. Há espaço para isso, o estrangeiro gosta do Lula, mas há algumas condições a serem cumpridas, como equipe econômica e movimentações do Fed”.
No período do final do ano, empresas costumam anunciar dividendos. Além disso, a época é marcada pelo fato de as multinacionais enviarem capital para suas sedes. Ambos os movimentos acabam enfraquecendo o real no curto prazo quando o fluxo vai para o exterior e podem ser barreiras para recuos mais fortes do dólar.
Quanto ao Fed, o analista da Wagner Investimentos afirma que o Brasil está sujeito ao humor da autoridade monetária americana. Alta de juros mais fortes nos Estados Unidos costumam levar fluxo de capital para o país e pode pressionar uma recessão econômica mundial.
O Citi, em relatório, também afirma ver o dólar mais próximo a R$ 5. Além da menor incerteza política, o banco também acrescenta que o possível fim da política de Covid Zero, na China, pode sustentar preços mais altos para as commodities, o que beneficiaria o Brasil.
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