O câmbio, o fiscal e o senso de urgência

A economia brasileira caminha num cenário de relativa estabilidade. O PIB cresce acima do que o mercado espera. A inflação, mesmo com os choques provocados pela tragédia no Rio Grande do Sul, segue nas bandas da meta. O desemprego vem em baixa, e a renda real média cresce. E, mesmo assim, os mercados estão no momento mais nervoso desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pode ser tentador justificar esse descasamento com preferências ideológicas da Faria Lima – e elas existem, não restam dúvidas. Como na maior parte das vezes, no entanto, a explicação é mais nuançada. Mas pode ser resumida em duas palavras: expectativas importam.

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Nesse mesmo período de dados macroeconômicos positivos, o país experimenta um aprofundamento do enfraquecimento do governo no Congresso, uma desancoragem das expectativas dos agentes econômicos para o futuro, que se reflete em uma piora dos mercados. A piora da imagem do presidente – que reforça o medo de uma guinada populista – entra como plano de fundo, retroalimentando o ciclo vicioso.

O fato é que os sinais que vieram de Brasília nesse ano causaram apreensões, tanto nos investidores brasileiros – mais “nervosos” e suscetíveis a ruídos políticos pela própria exposição maior aos ativos domésticos – como também nos estrangeiros, em geral mais posicionados no longo prazo.

Revisão das metas de primário para 2025 e 2026, mudança no comando da Petrobras, decisão dividida no Banco Central e a percepção de um esgotamento na agenda de ajuste pela receita. Um cardápio indigesto, que precipitou uma aversão ao risco que tem punido o real, empinado a curva de juros futuros, piorado as expectativas de inflação. Somando-se ainda um cenário global mais desafiador para mercados emergentes, faltam bons sinais para gerar empolgação.

O que o mercado cobra – e o país precisa, para que o arcabouço fiscal aprovado por esse governo seja preservado e a dívida pública saia da trajetória explosiva – é um pacote de medidas de corte de gastos. Por mais que Lula tenha sinalizado a disposição de mexer nos gastos tributários – mais de R$ 500 bilhões anuais, boa parte que já não faz mais sentido econômico – não se trata de uma batalha fácil.

Primeiro, porque gasto tributário envolve revisão de benefícios fiscais, que, na prática, simbolizam aumento de imposto. E, depois do fiasco dos créditos de PIS-Cofins, já há uma organização dos diversos setores empresariais para combater medidas desse escopo no Congresso. E, como a sociedade já se manifestou contrária a mais taxação, há menos interesse de um Congresso onde o governo é minoritário sem apoio do Centrão a pautas impopulares.

Outras estratégias, como combate a fraudes – algo a que ninguém vá se opor – ainda podem trazer ganhos muito menores do que o governo projeta. E, no mais, mesmo essa economia seria pontual e se materializaria no primeiro ano da medida, tendo efeitos diluídos no tempo.

Há no cardápio de medidas possíveis algumas que teriam impacto suficiente para melhorar o cenário fiscal brasileiro e trazer ganhos de curto prazo ao mercado. Entre elas, destaque para revisão de mínimos constitucionais para Saúde e Educação, desvinculação da regra de ganhos reais do salário-mínimo para aposentadorias e outros benefícios sociais, como BPC e seguro-defeso ou seguro-desemprego. Todas essas medidas seriam bem aceitas pelo mercado, resolveriam boa parte do problema e, se contassem com o apoio político do governo e do partido de Lula, o PT, passariam no Congresso. É aí que mora o problema.

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Como todas essas medidas conflitam com a visão do PT e da esquerda mais ampla para a economia e afetam muito mais fortemente a base de apoio do governo – camadas mais pobres e servidores públicos, por exemplo – o senso de urgência política não existe. Lula não quer comprar o risco da impopularidade, e, na situação em que ele se encontra em termos de aprovação, fica ainda menos afeito tomar decisões mais drásticas.

O que pode mudar a situação é o câmbio. Quedas no Ibovespa ou curva de juros empinando não sensibilizam Brasília. O dólar disparando, sim. Há, no imaginário popular, o senso de que real fraco é incompetência do governo, além do repasse mais direto para a inflação. A classe média se exaspera, empresas que dependam de insumos importados podem cortar custos com investimentos e mão-de-obra.

Contudo, não parece que a recente desvalorização – e o real é uma das piores moedas emergentes no mundo esse ano – foi suficiente. Um dólar acima de R$ 5,40 assustou a equipe econômica, mas não parece ter surtido o mesmo efeito no presidente da República. A pergunta de milhões (ou bilhões) hoje é qual o patamar de câmbio que irá assustar o Planalto e o Congresso. Enquanto não há resposta, resta a certeza: se o dólar não andar, o senso de urgência não vem e medidas relevantes de cortes de gasto não verão a luz do dia.

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