Por que o dólar não disparou frente ao real apesar do conturbado noticiário político?

Desde o fim das eleições, um conturbado noticiário político se instalou no Brasil. Mesmo assim, o dólar ficou praticamente estável frente ao real: no dia 28 de outubro, pregão que antecedeu o segundo turno, a moeda americana era negociada a R$ 5,304 na venda e, na última sexta-feira (16), ela fechou negociada a R$ 5,294.

A estabilidade, contudo, não quer dizer, que a divisa brasileira não tenha sido pressionada pelo noticiário de Brasília.

A força do real frente ao dólar costuma ser usada como um indicativo de como a economia brasileira. Se a moeda local está forte contra a americana, é um sinal de que o cenário doméstico está mais positivo. Se está perdendo força, trata-se de um alerta.

No intervalo de cerca de 45 dias que separa a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até a última sexta houve, no entanto, a publicação de muitas notícias que afetaram as perspectivas para a economia. O dólar, porém, ficou estável, dando a falsa impressão de que não houve impactos sobre a moeda brasileira.

A tramitação da PEC de Transição, que libera até então R$ 145 bilhões acima do teto de gastos no Orçamento de 2023, segue no Congresso. Nomes que sempre se mostraram a favor de maiores gastos públicos foram anunciados na equipe do governo eleito. Tudo isso aumentou as chances da União enfrentar dificuldades de arcar seus compromissos financeiros no futuro, o que repele investimentos.

Na última semana, por fim, um projeto que altera a Lei das Estatais passou, sem dificuldades, no Câmara dos Deputados, aumentando a insegurança jurídica do país.

O Ibovespa, com isso, recuou mais de 10% e a curva de juros brasileira disparou, com o DI para 2027, por exemplo, deixando de ser negociado a uma taxa de 11,48% para ir a 13,40%, o que eleva os questionamentos de por que a divisa americana não apresentou grandes movimentações no mesmo período.

Dólar caiu mundialmente

“A diferença grande se dá porque a Bolsa entrou no olho do furacão, com o mercado interno em ebulição por conta da transição, principalmente no que tange os gastos públicos. O dólar acabou não reagindo tanto porque, ao mesmo tempo em que o cenário interno está ruim, o cenário externo deu uma melhorada”, diz Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, ainda que, nas últimas sessões, o cenário de aversão ao risco tenha voltado para os mercados internacionais, com retorno dos temores de recessão.

Apesar de o dólar ter ficado estável frente ao real, a moeda americana recuou mundialmente. O DXY, que mede a força do dólar frente a outras divisas de países desenvolvidos, era negociado a cerca de 111,5 pontos no pregão seguinte ao fim do segundo turno das eleições brasileiras. Atualmente, ele está nos 104,6 pontos, totalizando uma queda de mais de 6%.

“Tínhamos, pouco antes e até logo após o fim das eleições brasileiras, uma preocupação muito grande em relação à tendência da inflação nos Estados Unidos e na Europa”, comenta Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, sendo que houve uma diminuição do receio com os últimos dados de inflação nos EUA. Contudo, vale destacar que alguns temores sobre a economia tenham retornado após o tom mais “hawkish” (duro) do Federal Reserve após a sua reunião de política monetária, vendo juros finais mais altos do que na projeção anterior. Contudo, na última reunião, houve uma desaceleração na alta dos juros, com avanço de 0,5 ponto percentual após quatro altas seguidas de 0,75 ponto.

Nas últimas leituras, o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos trouxe que a alta dos preços na maior economia do mundo está desacelerando. Em novembro, o crescimento foi de apenas 0,1%, abaixo da expectativa de 0,3%, e em outubro, de 0,4%, ante 0,6% do consenso. Quando a inflação americana está muito alta, o mercado precifica que o Federal Reserve terá de elevar a taxa de juros na maior economia do mundo para conter o avanço dos preços. Como os títulos do tesouro americano são considerados “os ativos mais seguros do mundo”, uma alta dos juros por lá gera um fluxo de capital para os Estados Unidos.

Com a inflação desacelerando, o movimento foi contrário. Houve um fluxo de saída de capital dos Estados Unidos para outros países.

“Tivemos uma redução forte do DXY, por exemplo. A moeda americana, mundialmente, se desvalorizou, o que dá uma impressão de atenuação dos problemas internos”, destaca Velloni.

O fato de o real não ter se valorizado com esse movimento, então, também serve de sinal de alerta: o Brasil, se não sofreu, deixou de aproveitar o melhor momento da economia mundial.

Se em novembro, mês já marcado por algumas polêmicas no cenário político, houve fluxo cambial positivo de US$ 1,889 bilhão para o Brasil, na primeira semana de dezembro houve saída de US$ 1,317 bilhão, sinalizando que investidores já estão se posicionando com cautela.

Na comparação com moedas de outros países emergentes, o real teve uma performance ruim. Do dia 28 de outubro até o dia 14 de dezembro, a moeda brasileira se valorizou 0,1% frente ao dólar, enquanto o renminbi chinês avançou 4,4%, o rand sul-africano, 5,8%, e o peso chileno, 8,8%.

Real tem ainda alguns trunfos

Além da desvalorização da moeda americana mundialmente, especialistas também apontam outros motivos para o fato de o real ter mantido, até então, seu poder de compra frente ao dólar.

“Temos ainda um juros real muito elevado no Brasil, que mantém investidores por aqui. O risco, por enquanto, ainda compensa”, explica o economista-chefe da Austin Rating.

Apesar da crescente ameaça fiscal, o Brasil ainda é o país que oferece o maior juro real, calculado pela diferença entre Selic e inflação, do mundo, a cerca de 8,16%. No segundo lugar, o México vem bem atrás, com um juro real de 5,39%.

“Hoje o Brasil oferece uma das maiores taxas gerais de juros do mundo, após o Banco Central elevar, de forma sucessiva, a Selic. O país voltou a oferecer uma boa rentabilidade e eu entendo que, por oferecer um retorno real considerável, isso atraia capital estrangeiro especulativo, o que contribui para a estabilidade do real frente ao dólar”, diz Daniel Pontes, economista da Swap Câmbio e Capitais Internacionais.

Porém, nos últimos dias, as taxas de juros oferecidas pelo Tesouro Nacional em seus leilões de títulos já vêm enfrentando alguma resistência. Investidores estão evitando comprar títulos prefixados, sinalizando que, por conta do risco fiscal, desejam mais prêmios para comprar títulos da dívida pública brasileira.

O mesmo crescente risco fiscal, segundo os especialistas, sinaliza ainda que taxa de juros brasileira deve ficar alta por mais tempo, o que tende a ajudar na manutenção do capital estrangeiro no país.

Em relatório recente, o Morgan Stanley sinalizou que o Brasil também vem surfando no fato de ser uma das poucas opções plausíveis para investimentos entre os emergentes.

“O Brasil continua se beneficiando das poucas opções em mercados emergentes e avaliações baratas. O mês e meio que se seguiu à eleição do presidente Lula trouxe fluxos positivos de R$ 7 bilhões, montante não marcante, mas importante, já que os locais continuam pessimistas em relação ao novo governo”, diz o banco americano.

A mesma opinião, recentemente, foi ventilada por Luis Stuhlberger, um dos gestores do Brasil, em evento do Banco Safra. Segundo ele, o Brasil, por enquanto, vem ganhando por WO, com países como a Rússia e a China enfrentando problemas geopolíticos.

Por fim, as companhias brasileiras, com a alta do preço das commodities que vem se estendendo já há algum tempo, segundo os especialistas, estão com bastante caixa e aproveitaram o período para diminuir suas dívidas em dólares, o que também reduz o fluxo de saída de dinheiro do Brasil.

“O outro ponto é ainda sobre as commodities, já que o Brasil configura-se como um grande exportador. Em tese, as empresas brasileiras desse setor estão fazendo um grande caixa em dólar. Isso também contribui nessa balança para a valorização do real frente ao dólar e um relativo equilíbrio”, diz Pontes.

Alguns dos triggers que por enquanto estão ajudando a manter a moeda brasileira em determinado patamar podem perder força. Além de tudo, apesar de não ter perdido força frente ao dólar, o real perdeu, ao menos, uma chance de se valorizar.

Em entrevista ao Estadão, por exemplo, o diretor de investimentos para mercados emergentes das Américas do UBS Global Wealth Management, Alejo Czerwonko, afirmou que dólar, com uma política fiscal mais pragmática do governo, poderia ir abaixo dos R$ 5.  

“A relação dólar real está com comportamento bem resiliente e isso devido a fraqueza do dólar no exterior. O DXY cai 10% desde a máxima do ano e desde então o dólar caiu apenas 2% frente ao real. Provavelmente veremos o dólar ainda um pouco mais fraco após o fim do período de remessas, que se encerra em breve”, diz o relatório da Wagner Investimentos da última quinta-feira.

A casa ainda vê uma tendência altista para a moeda americana frente ao real no médio e longo prazo.

O relatório Focus, que agrega uma série de projeções de economistas, vê o dólar a R$ 5,25 no próximo ano. Em julho, a projeção era de R$ 5,05.  E há quem esteja ainda mais pessimista: em entrevista ao Valor, Fabio Kanczuk, ex-diretor do Banco Central e atual diretor de macroeconomia da ASA Investments, falou que o dólar, em 2023, pode bater R$ 6.

“Em um momento em que poderíamos ter uma alta do real frente ao dólar, temos um movimento retraído por conta das informações do novo governo. Investidores lá de fora, até então, não enxergam com bons olhos as movimentações, principalmente no que tange a responsabilidade fiscal”, finaliza Gustavo Guimarães, assessor de investimentos da SVN.

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