SÃO PAULO (Reuters) – O dólar saltou mais de 2% nesta quarta-feira e fechou acima de 5,37 reais, nas máximas desde maio, com uma onda de compras da moeda refletindo uma forte aversão a risco fiscal no Brasil que causou um terremoto no mercado de juros futuros, em que as taxas chegaram ao fim da tarde em disparada de mais de 40 pontos-base.
O medo relacionado às contas públicas seguiu como a principal dor de cabeça para investidores, entre os quais há crescente sensação de que o governo está mais fraco e cada vez mais enviesado para medidas populistas, o que é lido na comunidade financeira como um sinal forte de pressão mais e mais intensa por aumento de gastos –a pouco mais de um ano da eleição presidencial.
No fechamento do mercado à vista, o dólar subiu 2,04%, a 5,3759 reais na venda. É o maior nível desde 4 de maio (5,4322 reais) e a maior valorização percentual diária desde 30 de julho (+2,53% reais).
Já na reta final dos negócios, Wall Street aprofundou as quedas, o que ajudou o dólar a estender as altas por aqui após uma ata do Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano) que fez pouco para amenizar dúvidas do mercado sobre corte de estímulos nos EUA.
O dólar encerrou bem perto da máxima intradiária, de 5,3784 reais, alta de 2,09%. Na mínima, atingida por volta de 11h, a cotação teve variação negativa de 0,09%, para 5,2633 reais.
O real amargou, com larga diferença, o título de moeda com pior desempenho no mundo nesta sessão, enquanto alguns de seus pares emergentes se valorizavam ou operavam em torno da estabilidade.
O mercado já acordou com a notícia de que a Câmara dos Deputados decidira adiar mais uma vez a votação do projeto que altera a cobrança do Imposto de Renda, que estava prevista para a terça-feira, em meio a resistências dentro e fora do Congresso. Governos estaduais e dos maiores municípios apontaram que o texto implica perdas de arrecadação, o que comprometeria a prestação de serviços locais.
“A falta de consenso levou a mais um adiamento da votação da reforma do IR na Câmara, afastando cada vez mais as chances de o projeto ir para frente e adicionando ao clima de apreensão do mercado com relação a Brasília”, disse em nota Victor Beyruti, economista da Guide.
Proposta de mudanças nos pagamentos dos precatórios, pressões do presidente Jair Bolsonaro por mais gastos com o Bolsa Família e o clima político azedo são outros elementos a tirar o sono do mercado nas últimas semanas, além da situação cada vez pior dos reservatórios de água e do aumento dos custos de energia, que joga ainda mais pressão sobre uma inflação já nas alturas.
Esse conjunto tem contribuído para colocar os ativos brasileiros nas piores posições de desempenho recente.
“O governo meio que está como um trem desgovernado (para reformas) e na direção apenas da eleição do ano que vem”, disse Luca Maia, estrategista de câmbio e juros para América Latina do BNP Paribas. “O mercado está em modo realização porque vê a possibilidade de o país não respeitar diversos instrumentos de credibilidade fiscal, como o teto de gastos”, completou.
Com isso, a demanda por proteção dispara e o mercado exige mais prêmio não apenas no dólar, mas sobretudo nos juros. As taxas de DI de prazos mais longos chegaram ao fim da tarde com altas de impressionantes 40 pontos-base.
Juros acima de 10%
O spread entre as taxas de DI de janeiro 2027 e janeiro 2023 –uma medida de risco– saltou 41 pontos-base (maior alta diária em 11 meses), a 181 pontos-base, pico desde o fim de maio.
Agora todo o trecho da curva a partir de julho de 2025 tem taxas de dois dígitos. Em meados de julho, esse contrato mostrava juro de 8,2%. O mercado de DI já era visto como o mais suscetível a uma correção brusca de preços, conforme o mercado luta para entender até onde o Banco Central irá no processo de aperto monetário.
A perspectiva de juros mais altos por normalização da política monetária –que vigorou do início do ciclo de aperto monetário, em março, até pouco tempo atrás– beneficiou a taxa de câmbio, mas mais recentemente o que se tem visto é o mercado turbinar apostas em taxas mais elevadas devido à deterioração das perspectivas fiscais e inflacionárias –que começam, por ora sem alarde, a colocar em dúvida estimativas otimistas de crescimento econômico para este ano e o próximo.
“Esperamos que o ruído fiscal seja uma constante pelo restante do ano no Brasil, à medida que os riscos aumentam progressivamente conforme o ciclo eleitoral se aproxima”, disse em relatório o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski.
“A pressão para gastar é real, e o teto de gastos pode não escapar ileso desta vez. Limitar a perda de credibilidade fiscal será fundamental para preservar a estabilidade macroeconômica”, completou.
Maia, do BNP, destacou o peso do noticiário político sobre os preços. “Começa a ficar difícil defender uma posição comprada em real, que é a nossa, quando o político se sobressai”, disse. O BNP estima dólar de 4,75 reais ao fim do ano.
Joaquim Kokudai, gestor na JPP Capital, por ora mantém posições compradas em real via opções, além de posições tomadas (apostando na alta) nos DIs até 2025 e vendidas na parte longa da curva, até 2029. “Temos uns ‘hedges’ e precisamos ver se esse estado de piora no mercado vai permanecer”, disse.
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